Embora não nascida na capital, já vivi muito mais anos aqui e lembro com clareza os períodos em que estive morando fora, o quanto de saudade carreguei comigo.
Vivendo e amando a cidade, aprecio muitíssimo passear pelas ruas de diferentes bairros e do Centro. É andando, observando e conversando com as pessoas nas ruas que sinto melhor o lugar. Testemunho suas belezas, mas também suas tristes ruínas.
Com a pandemia, com a cidade imersa em mais silêncio, fiquei mais atenta aos suores da febre do cimento que vem corroendo, e muito, a capital. Especialmente, deslocando um sentido importante sobre o município, a ideia de cidade verdejante, de segunda capital mais verde do mundo.
Claro que a afirmação arrasta um certo positivismo no agenciamento de sentidos sobre a cidade. Por outro lado, sempre foi um slogan importante que corroborou com projetos de marketing no turismo, na política e repercutiu na estima outrora castigada do paraibano.
Muito se fala na falésia do Cabo Branco, o histórico cartão-postal da cidade que sempre é alvo de projetos para sua “salvação” por diferentes públicos, em especial, agentes do campo político, e é um mote para atrair recursos financeiros.
Para além da falésia, cuja ação do tempo e ser humano vai transformando intensamente, a cidade padece. A mata do Cabo Branco, por exemplo, já foi uma mata mais fechada. Hoje, há grandes frestas, buracos, lixo espalhado em diferentes pontos. Há muita perda de árvores nativas. As cercas que protegiam mais o espaço estão deterioradas. Há outros pontos importantes de preservação da cidade, o Cuiá, a Bica, rios, praias, manguezais e corais.
Hoje, vejo lixo nas áreas verdes. Caso alguma chuva arraste lama vinda da falésia, que é sustentada pela mata atlântica, talvez se torne espetáculo midiático. A tragédia, essa sim, monetiza de muitos lados.
E não é só do lado leste que a cidade perde sua biodiversidade — o que nos últimos tempos mereceu atenção, tendo em vista às mobilizações chamadas pelo Movimento Esgotei.
A cidade como acontecimento carrega aspectos simbólicos, comunicacionais e políticos. A cidade é para quem? Quais são os territórios invisibilizados da capital?
A cidade hoje, mais notória, aparece em sites de notícia como um dos destinos turísticos mais procurados do mundo para 2025. Muitos celebram, mas faz medo também.
Uma cidade não pode ter apenas o turismo como carro-chefe econômico. É um grande risco. Há exemplos no mundo inteiro apresentando as consequências do turismo predatório. Gentrificação, higienização, exclusão de seu povo.
Pessoas são bem-vindas. Porém, como chegar, estar e habitar com justiça social e equilíbrio é que deve estar no centro da agenda. Pois que relações estabelecemos com a cidade enquanto território de sobrevivência, existência e sustentabilidade para o planeta?
A espetacularização em torno da cidade invisibiliza o que precisa ser realizado para tornar a cidade viável para seus habitantes e para quem, porventura, a visite e decida ficar.
Quem circula pelo Centro Histórico sabe que os trabalhadores e trabalhadoras é que estão lá cotidianamente mantendo as ruas de pé, pagando aluguéis, muitas vezes, para poder habitar mais perto do trabalho, sobrevivendo da venda de frutas nas ruas, lavando carros, abrindo suas pequenas lojas de serviços. Ou oferecendo seus serviços nas ruas mesmo.
As poucas livrarias, a Catedral, os equipamentos culturais que resistem. Artistas que moram no Centro da cidade e se empenham muito para democratizar o acesso às artes e expressões culturais. Existe ainda na cidade uma população relegada, impactada por um forte problema de saúde pública que é invisibilizado.
As ruínas dos prédios históricos vão sendo sustentadas pelas árvores que as servem de amparo, para que nenhum concreto caia na cabeça das pessoas. Isso aí é um pequeno milagre cotidiano. A natureza dando força para segurar os restos de memória e patrimônio histórico. Cuidar de si é também cuidar da cidade.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 04 de julho de 2025.