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Conectando Startups

Edital apoia economia da longevidade

publicado: 03/06/2025 15h11, última modificação: 03/06/2025 16h04
Fapesq e Secties destinam um valor de até R$ 150 mil para cada empreendedor que tiver um projeto aprovado
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Cronograma colado na parede guia as medicações de Delza, mas ela já enfrentou complicações após erros na administração. A rotina de cuidados inspirou a filha a criar um aplicativo. | Foto: Carlos Rodrigo
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CLER é desenvolvida por Kycia para transformar o cuidado com a medicação em uma rotina segura | Foto: Carlos Rodrigo
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CLER facilita o registro e o controle de remédios | Foto: Carlos Rodrigo
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Projetos usam aplicativos e tecnologia vestível para ajudar no acompanhamento de idosos no dia a dia | Foto: Carlos Rodrigo
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por João Pedro Ramalho*

A engenheira civil Kycia Cordeiro estava habituada a cuidar da administração dos fármacos da mãe, Delza, de 85 anos, até perceber problemas causados pela correria de sua rotina e pela memória menos ativa da idosa. Em uma ocasião, como forma de se preparar para uma cirurgia, a matriarca foi orientada a suspender a ingestão de um anticoagulante. Kycia descobriu, então, que sua genitora tomava não um, mas dois produtos de fabricantes diferentes, e estava prestes a interromper apenas um deles. “A gente iria para a cirurgia uma semana depois; ela, provavelmente, teria uma hemorragia e o médico não teria o que fazer. Aí, eu fui conferir tudo e foi uma confusão. Achei remédio com dosagem menor, com dosagem maior, remédio que não era para estar tomando mais, remédio que ninguém sabia quem tinha passado”, conta.

A situação vivida em casa acendeu uma faísca, que logo se transformou em chama na mente da engenheira: era preciso facilitar a vida das pessoas, principalmente dos idosos, que ingerem diariamente uma lista extensa de medicamentos. Assim nasceu a Cler — acrônimo para Cuidar, Lembrar, Evoluir e Recuperar —, startup voltada para o desenvolvimento de um aplicativo que facilita o registro e o controle de remédios por pacientes, cuidadores e profissionais da Saúde. O projeto, que está próximo de entrar na fase de testes, foi um dos 20 selecionados pelo edital Conectando Startups — Economia da Longevidade, lançado, em 2024, pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior da Paraíba (Secties).

O edital é desenvolvido no âmbito do Parque Tecnológico Horizontes de Inovação (PTHI) e destina um valor de até R$ 150 mil para cada empreendedor. Segundo Kycia, o financiamento permitiu cobrir os custos com a equipe, que inclui dois estagiários e um desenvolvedor, além de serviços como consultoria jurídica e marketing. O esforço conjunto levou à criação de um aplicativo capaz de digitalizar as receitas médicas, com ajuda de inteligência artificial, ativar alarmes para os horários de cada remédio e gerar um relatório das medicações consumidas. A ideia é que o produto esteja sempre atualizado, conferindo tranquilidade e autonomia a seus usuários. “É como se fosse para a minha mãe, mas não somente. E esse cuidado que tenho, acerca dos problemas que consegui evitar, eu quero passar para outras pessoas”, afirma a engenheira.

Melhor qualidade de vida de idosos é a meta

A garantia de qualidade de vida dos idosos também passa por elementos tão corriqueiros quanto um banho. Foi o que a desenhista industrial Karolina Celi descobriu, ao entrevistar mais de 60 cuidadores de uma instituição de longa permanência de Portugal, durante o doutorado em Engenharia Mecânica, concluído em 2018. Segundo os profissionais ouvidos, o cuidado com a higiene dos pacientes exigia muitos esforços físicos e emocionais, presentes nos momentos de tirar a roupa, mudar de local ou de assento, preparar a temperatura da água, entre outros. Para solucionar esse problema, Karolina criou o Smartbath. “Ele é um sistema portátil, que tem toda a segurança desde o enchimento da água até a temperatura de saída, proporcionando conforto e a certeza de que os idosos não vão se queimar”, explica.

Após o primeiro protótipo, criado e testado em Portugal, veio um segundo modelo, mais leve e mais rápido, até chegar ao estágio atual, focado no aprimoramento do design e do funcionamento do sistema. Para esta etapa, apoiada pelo edital Economia da Longevidade, a CEO do Smartbath conseguiu contratar a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), vinculada ao Instituto Federal da Paraíba (IFPB). A expectativa é que, até o final de junho, o projeto esteja pronto para ser apresentado aos primeiros consumidores.

Outra iniciativa contemplada pelo programa da Fapesq é a Tecnologia Vestível para o Acompanhamento Remoto do Idoso, conduzida pela fisioterapeuta Eujessika Rodrigues. “Ela consiste em um sistema com um aplicativo, um relógio, que é o dispositivo vestível, e um dashboard. Com isso, a gente faz o acompanhamento dos dados de saúde dos indivíduos”, aponta a empreendedora. Entre as informações monitoradas, estão a frequência cardíaca, a qualidade de sono, a frequência urinária noturna e os níveis de atividade física. Em uma fase avançada de desenvolvimento, o negócio já prospectou clientes além dos idosos, como o Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest Senat).

Desenvolver soluções eficientes é preocupação com o futuro

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Projetos usam aplicativos e tecnologia vestível para ajudar no acompanhamento de idosos no dia a dia | Foto: Carlos Rodrigo

Os empreendimentos inovadores que desenvolvem soluções para saúde e bem-estar representam o segundo maior nicho do país: são 11,6% dos 18.056 negócios inovadores identificados pelo Startups Report Brasil 2024, levantamento publicado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Já no mapeamento feito pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups), referente ao ano passado, o ramo da Healthtech e Life Science aparece em quarto lugar (8,5%), em uma amostra de aproximadamente três mil empresas. Quando analisados os dados da Paraíba, contudo, as iniciativas do segmento sobem para o segundo posto, consistindo na parcela de 12,5% dos projetos desenvolvidos no estado.

As startups financiadas pela Fapesq e pela Secties somam-se, assim, a esse universo, com uma preocupação específica: preparar a sociedade paraibana para o envelhecimento de sua população. Especialmente ao se considerar que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de um terço (38,2%) dos habitantes do estado será formado por idosos, em 2070. “Nos próximos anos, isso vai estar na agenda de todo gestor, mas a Paraíba saiu à frente quando estabeleceu um programa de empreendedorismo inovador que olha para essa temática. E, no edital, temos um conjunto razoável de soluções tecnológicas, desde melhorar a informação em campanhas vacinais, até telemedicina e produtos que vão impactar diretamente a qualidade de vida dessa população”, conta Francilene Garcia, coordenadora do Parque Tecnológico Horizontes de Inovação.

A gestora ressalta, ainda, que o apoio ofertado pelo programa estadual alcança iniciativas em diferentes estágios, medidos pelo nível de prontidão tecnológica (TRL), índice correspondente a uma escala que vai de um a nove. Nesse sentido, o edital contempla desde as startups com TRL 4 até as de TRL 6, abarcando tanto as empresas que concluem seus primeiros protótipos até aquelas que já ingressaram no mercado, mas ainda têm problemas a resolver. “A nossa equipe do parque, junto com os tomadores de decisão das startups, identifica esses gargalos e atua junto. Então, nosso monitoramento serve para maximizar o retorno obtido por meio do recurso que eles recebem da Fapesq”, esclarece Francilene.

Segmento feminino

O fato de muitas dessas startups serem chefiadas por mulheres segue uma tendência mundial, apontada pela Women’s Entrepreneurship Report 2023–2024, pesquisa do Monitor de Empreendedorismo Global (GEM). Segundo o estudo, as empreendedoras têm priorizado soluções para problemas sociais — entre eles, as disparidades no acesso à saúde. Para Francilene, um fator que justifica a predominância feminina nesse segmento tem relação com a formação acadêmica. “Se você olhar os egressos de graduação no país, há uma parcela feminina maior nos cursos de cuidado e saúde, e isso não é diferente quando se trata da longevidade. Então, é natural que um empreendimento pensado para trazer soluções para o mercado, nessa área, tenha também uma presença feminina forte”, comenta.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 31 de maio de 2025.