O ouro abriu, hoje (1º), cotado a US$ 3.873,20 por onça troy, mais do que o dobro do valor registrado no fim de 2022, quando estava entre US$ 1.800 e US$ 1.900. A disparada, que já acumula de 50% a 70% de valorização, levou a cotação a igualar ou superar o recorde histórico de janeiro de 1980 (em valores corrigidos) e levanta uma questão central: por que o metal sobe tanto agora e o que isso representa para pequenos investidores?
O professor Cássio Bessaria, doutor em Economia e presidente da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), resume o ponto de partida: “Em momentos de incerteza, os agentes econômicos buscam aqueles ativos que têm pouca volatilidade no seu preço, que têm maior segurança. E o ouro acaba sendo um ativo utilizado como alternativa”. Segundo ele, o atual cenário combina choques externos que reforçam a demanda por ativos-refúgio.
Entre os fatores externos, estão as tentativas de interferência do governo de Donald Trump no Federal Reserve (Fed), o Banco Central deles. Além desses episódios que abalaram a confiança sobre a condução da política monetária norte-americana está um crescimento global mais fraco, além de sinais de uma guerra comercial ampliada. A consequência é que gestores de fundos e bancos centrais passam a realocar recursos para ativos que consideram menos expostos a choques políticos e cambiais.
O quadro macro traz ainda preocupações fiscais e inflacionárias. A valorização do metal relaciona-SE também à pressão inflacionária e à crescente dívida pública dos Estados Unidos, fatores que reduzem a previsibilidade dos retornos em títulos e ações. Se por um lado o ambiente de crise afugenta grandes investidores de mercados voláteis como o de ações; de outro, o ouro volta a apresentar-SE como uma alternativa segura por algumas características únicas do metal.
“O ouro foi utilizado, por muito tempo, como uma moeda, um ativo oficial. Ele tem algumas propriedades desejáveis como a escassez, pouca volatilidade nos seus preços e é apreciado e aceito em qualquer parte do mundo”, diz o especialista.
Acrescente-se a isso um argumento não menos crucial e citado em análises de mercado: o ouro não pode ser impresso por bancos centrais e por ser um produto físico, ele está fora do sistema bancário. Em contraste com moedas nacionais, cuja oferta pode ser ampliada por política monetária, o estoque físico de ouro cresce a uma taxa limitada, o que ajuda a manter seu caráter de reserva de valor.
A maior parte desse aumento vem da atuação de grandes agentes (hedge funds, fundos institucionais e bancos centrais) que, juntos, têm capacidade de deslocar preços. “Os pequenos investidores podem estar, de alguma forma, querendo proteger o seu patrimônio através do ouro, mas esse movimento de alteração de preço é mais forte de grandes investidores de fato”, explicou Bessaria.
Mas isso abre uma possibilidade para esse perfil de investidor que também busca por estabilidade? Para o professor, é necessário, primeiro, saber o que está levando a pessoa a fazer esse investimento. “É uma pessoa que vai precisar desse recurso daqui a um mês, dois meses? Nesse caso não sei se essa seria uma boa alternativa para fazer esse tipo de aposta mais especulativa”, avalia.
Ele aponta que, para quem busca proteção com previsibilidade de renda, títulos públicos indexados à inflação podem ser mais adequados. “Essas opções são remuneradas pela taxa de juros, indexados à inflação. De modo geral, para o investidor pequeno, primeiro tem que saber quais são as necessidades de curto prazo e quanto tempo ele estaria disposto a deixar esse recurso aplicado em algum tipo de ativo que não seja o ouro”, orienta.
Quanto às perspectivas, o valor do ouro ainda continuará a subir ou ele já está próximo ao seu limite: “A tendência é de alta quanto mais difícil é prever o futuro. O mercado gosta de previsibilidade. Se o cenário é de baixa previsibilidade, é esperado que esse comportamento de alta permaneça”.
E adiciona: “Se os EUA voltarem às rodadas de negociação, buscando caminhos alternativos que não seja o de aumentar a tarifa sobre parceiros comerciais, é bem provável que a gente volte para um cenário de uma maior normalidade e que os preços comecem a cair”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de outubro de 2025.