Segundo dados do último Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Paraíba possui 3.974.687 habitantes do estado. Destes, a maioria (63,5%) declara-se negra — preta ou parda —, além disso, 0,6% identifica-se como indígenas, contra 35,7% de brancos. Mesmo com essa expressividade populacional, os casos de racismo ainda são comuns na sociedade. Porém, eles também vêm sendo cada vez mais judicializados, o que parece refletir o crescimento da conscientização desse público sobre os próprios direitos. Dados do 19o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontaram que o estado teve o maior aumento proporcional de registros de racismo em 2024. Segundo o documento, os casos subiram de 13 para 64 — alta de 389,9%, com a taxa por 100 mil habitantes, passando de 0,3 para 1,5. Já os registros de injúria racial saltaram de 121 para 199, um crescimento de 63,6%.
Nesse cenário, o Governo do Estado vem desenvolvendo uma política de enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial, alcançando resultados positivos. Desde 2019, por meio do Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial, a Paraíba vem consolidando ações antirracistas, de forma transversal, coordenadas pela Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh-PB). A secretária responsável pela pasta, Lídia Moura, aponta que o Plano norteia a atuação em todas as áreas, do atendimento às vítimas — por meio do Centro João Balula — à educação para as relações étnico-raciais e às parcerias com o sistema de Justiça. “A elevação das judicializações, em 2024, mostra que as vítimas estão confiando mais no Estado e que a rede está funcionando. Seguimos ampliando o acesso à justiça, fortalecendo o letramento racial e implementando projetos estruturantes, como o Museu da Diáspora Negra, para que nenhuma violação fique sem resposta e para que a igualdade racial seja uma realidade no cotidiano das pessoas negras na Paraíba”, ressalta.
A gerente-executiva de equidade racial da Semdh--PB, Jadiele Berto, também destaca que as ações ocorrem em todo o estado, de forma transversal, interseccional e intersetorial. “Ela [a política de igualdade racial] dialoga com todo o secretariado do Governo do Estado. Por exemplo, dialogamos com a Saúde, com o Comitê Estadual de Saúde Integral da População Negra; o programa de dignidade menstrual, que fornece absorventes priorizando as pessoas negras e de comunidades tradicionais. Nós temos o Fórum Estadual de Educação para as relações étnico-raciais, seminários antirracistas, e campanhas anuais de combate ao racismo”, pontua. Além disso, ela ressalta outras iniciativas estaduais, como a lei que trata de ações afirmativas na modalidade de cotas em concursos públicos, e também no âmbito da Secretaria da Cultura (Secult-PB), em seus editais de fomento.
“Aderimos ao Plano Juventude Negra Viva do Governo Federal, temos um selo Prefeitura Parceira das Mulheres, que premia municípios que atingiram uma determinada pontuação de acordo com critérios em prol da dignidade das mulheres e das mulheres negras. Estamos construindo parceria com a Secretaria de Segurança e Defesa Social da Paraíba, temos ações em conjunto também com políticas de incentivo ao trabalho e renda como o Programa Empreender Mulher, Salão do Artesanato Paraibano; Programa de Inclusão Através da Música e das Artes (PRIMA); parcerias com secretarias muncipais, entre outras ações”, explica Jadiele. Ela reforça que a gerência, que existe desde 2011, é um meio para que as outras políticas possam ser executadas de forma exitosa, atendendo as diversidades das populações, inclusive da população negra. A gerente pontua que esse público sofre diversas violações, por isso, a atuação do estado para combater isso também precisa ser transversal. “Acreditamos ainda que é essencial que a população compreenda e se conscientize em relação ao enfrentamento dessa violação de direitos humanos que é o racismo. O entendimento disso como crime! Não é brincadeira, não é mimimi, não é algo que se pode deixar passar”, afirma.
Centro da Igualdade Racial oferece atendimento
Dentro das ações de programação da igualdade racial, vinculadas a Semdh--PB, o Estado também conta o Centro da Igualdade Racial João Balula. O espaço existe desde 2020 e oferece atendimento às vítimas de racismo, intolerância religiosa e xenofobia. Conta com uma equipe multiprofissional, composta por advogado, psicólogo, assistentes sociais e pedagogos. O coordenador do local, Antônio Marcos Nascimento, explica que o centro acolhe as vítimas e faz os encaminhamentos necessários. “Identificamos as possibilidades de atuação, seja na parte jurídica, com acompanhamento a delegacia, Ministério Público ou Defensoria Pública; até orientação e fortalecimento da vítima, acompanhamento psicológico, encaminhamento social, busca de parcerias para cursos profissionalizantes e acesso a seleções de emprego, entre outras ações”, afirma. O setor de pedagogia é acionado em contextos que envolvem crianças e também ambientes escolares, de ensino aprendizagem. Além disso, o centro realiza formações, capacitações, cursos e palestras, como forma preventiva, trabalhando uma educação para as relações etcnio-raciais, com educadores, servidores e outros públicos.
Quanto à judicialização de casos de racismo, em 2024, o Centro João Balula foi responsável pela judicialização de 58 casos de racismo, um aumento de 286,7% em relação a 2023, quando foram encaminhados 15 casos ao sistema de Justiça. Neste ano de 2025, até o mês de setembro, já são contabilizados 37 casos de crimes acompanhados pela equipe do espaço. “Ao longo de cinco anos de atuação, já acompanhamos mais de 200 casos de racismo, intolerância religiosa e xenofobia, que foram efetivamente à justiça. Atendimentos, já são mais de 12 mil”, destaca Antônio Marcos.
Para ele, os números refletem não apenas a realidade das violências enfrentadas pelas populações negras, mas também o maior letramento racial e fortalecimento da rede de proteção. “Desde 2023, com a mudança na legislação que equiparou a injúria racial ao crime de racismo, com penas de um a cinco anos, capacitamos mais profissionais da rede de enfrentamento, fizemos formações jurídicas e sociais para que as pessoas pudessem reconhecer o racismo e denunciar. Antes, muitas vítimas não acreditavam na Justiça ou sequer entendiam que estavam sofrendo um crime. Hoje, vivemos um processo de letramento racial e de fortalecimento da rede de proteção”, conclui ele, que ressalta que essa é uma conquista coletiva, fruto da luta dos movimentos negros, e da atuação de orgãos e instâncias que se engajam no enfrentamento ao racismo.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 2 de novembro de 2025.