Notícias

direitos humanos

Paraíba consolida políticas públicas interseccionais

publicado: 25/08/2025 08h24, última modificação: 25/08/2025 08h26
Governo do Estado foca na equidade de gênero, raça e diversidade sexual
PING PONG LÍDIA MOPURA_F. EVANDRO PEREIRA (2).JPG

A Semdh, conduzida por Lídia Moura, ganhou referência nacional e internacional | Foto: Evandro Pereira

por Lilian Viana*

Na contramão de um Brasil ainda marcado por retrocessos e resistências no campo dos direitos humanos, a Paraíba constrói, em ritmo acelerado, uma experiência rara: a consolidação de políticas públicas interseccionais, com foco na equidade de gênero, raça e diversidade sexual. À frente dessa transformação, está a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh), conduzida por Lídia Moura, que transformou uma pasta antes periférica em referência nacional e internacional.

O segredo, como resume a secretária, cabe em quatro palavras: escuta, planejamento, territorialização e compromisso. “Aumentamos nosso orçamento em 30 vezes e conseguimos implementar o orçamento com olhar de gênero em secretarias estratégicas. Esse modelo fortalece as políticas e garante sua efetividade”, afirma.

A diferença em relação a outros estados é evidente. Enquanto Minas Gerais e Paraná rebaixaram secretarias da Mulher a coordenadorias, diminuindo sua autonomia, a Paraíba fez o caminho inverso: ampliou orçamento, criou estruturas técnicas e consolidou equipes intersetoriais. Em São Paulo, políticas de diversidade seguem fragmentadas em subsecretarias; no Rio de Janeiro, conselhos e fóruns convivem com instabilidade política.

 Já a Semdh, com quatro gerências executivas — gênero, política LGBTQIAPNb+, igualdade racial e direitos humanos —, opera de forma integrada, mas com recursos próprios, o que lhe garante agilidade e protagonismo. Esse modelo de gestão interseccional e intersetorial, com quatro gerências executivas autônomas que dialogam entre si, tem chamado atenção do Brasil e do exterior. O Ministério da Igualdade Racial e até a empresa Meta já estudaram o formato desenvolvido pela Paraíba.

O reconhecimento internacional também veio por meio da participação da Semdh em delegações brasileiras na ONU e em convites da Cepal, no México. “A história da secretaria é a história das lutas dos movimentos sociais. Avançamos porque dialogamos e construímos juntos. O nosso compromisso é transformar a vida das pessoas e garantir cidadania plena em todos os territórios”, ressalta Lídia Moura.

Programas concretos

Os resultados aparecem em números e pessoas beneficiadas. O Programa Patrulha Maria da Penha, criado em 2019, acompanha hoje 722 mulheres vítimas de violência doméstica. E nenhuma delas foi vítima de feminicídio após inserção no programa. Poucos estados podem apresentar um dado tão expressivo. “O diferencial paraibano está na integração do monitoramento policial articulado a acompanhamento psicossocial, em parceria direta com o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Segurança”, reforça Lídia.

No campo LGBTQIAPNb+, o contraste é ainda mais evidente. A Casa Cris Nagô, primeira do Brasil criada e mantida exclusivamente por um governo estadual, já acolheu mais de 88 pessoas em situação de vulnerabilidade, com equipe multiprofissional e apoio à reinserção social. “Em estados como Rio de Janeiro ou Rio Grande do Sul, espaços semelhantes existem, mas dependem de convênios municipais ou de organizações civis. Em São Paulo, os centros de cidadania LGBTQIAPNb+ funcionam em parceria com organizações sociais. Na Paraíba, é política de Estado, institucionalizada e contínua”, explica Lídia.

O mesmo ocorre com o Centro de Referência LGBT Pedro Alves de Sousa, em João Pessoa, que realizou mais de 3.200 atendimentos em dois anos, inclusive a trabalhadores sexuais, oferecendo desde apoio psicológico e jurídico até cursos de idiomas em parceria com instituições privadas.

O Mês do Orgulho LGBTQIAPNb+, por exemplo, consolidou o protagonismo da Paraíba na agenda nacional, com a realização da terceira edição do Encontro Paraibano de Pessoas Trans e Travestis. Mais que um espaço de visibilidade, o evento tornou-se referência técnica e política, reunindo pesquisadores, ativistas e gestores públicos para debater direitos e políticas inclusivas. “A Paraíba tem uma produção reconhecida nacionalmente, com tecnologias sociais pioneiras no enfrentamento à LGBTfobia, à bifobia e à transfobia. O encontro mostra que as pessoas trans e travestis contribuem para a democracia e o desenvolvimento em diversas áreas”, destaca Lídia Moura.

Ao longo de todo o mês de junho, uma programação descentralizada também percorreu diferentes regiões do estado, levando desde emissão de documentos até cursos profissionalizantes e formações sobre direitos humanos. No Salão do Artesanato de Campina Grande, um estande da Semdh ofereceu atendimentos e encaminhamentos a quase 270 pessoas — “prova de que a política pública pode e deve ocupar espaços culturais e econômicos”, como frisa a secretária.

Criação de 20 novos Centros da Mulher

A transversalidade é outra marca da Semdh. Povos indígenas, quilombolas, ciganos e comunidades de matriz africana estão contemplados em programas de reflorestamento, segurança alimentar e cultura. Enquanto no Maranhão ou em Alagoas as políticas para esses grupos ainda ficam dispersas em secretarias de agricultura ou cultura, na Paraíba elas se integram a um eixo único, com projetos que vão da preservação da língua tupi-potiguara nas aldeias até linhas de crédito para mulheres ciganas.

No orçamento, o salto impressiona: a Semdh cresceu 30 vezes em poucos anos, enquanto pastas equivalentes em Pernambuco e Rio Grande do Norte, por exemplo, seguem com dotações limitadas. “A inovação está na adoção do orçamento com olhar de gênero, que obriga secretarias estratégicas, como Saúde, Educação, Cultura e Habitação, a incorporar a perspectiva da equidade. Fora da Paraíba, essa experiência ainda engatinha”, detalha Lídia Moura.

Os próximos passos mostram ainda mais ousadia no cenário nacional: criação de 20 novos Centros de Referência da Mulher, inauguração de novos ambulatórios para travestis e transexuais (ambulatório TT) no interior, instalação do Museu da Diáspora Africana e Memorial das Etnias Paraibanas em João Pessoa, além da expansão do Empreender Mulher, que já investiu quase R$ 10 milhões em iniciativas femininas. Tudo isso só é possível, como lembra Lídia Moura, pela força dos movimentos sociais, que pressionaram o Poder Público ao longo de décadas. “A história da Semdh é a história dos movimentos feministas, negros e LGBTQIAPN+. Eles acumulam conhecimento, vivência e propostas. Escutá-los é o que mantém nossa política viva e conectada às necessidades reais da população”, ressaltou.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de agosto de 2025.