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Cultivar é incluir

Hortas urbanas espalham-se pela PB

publicado: 10/11/2025 09h05, última modificação: 10/11/2025 09h09
Projetos diversos transformam terrenos ociosos em locais de convivência e valorização do meio ambiente
Horta hidropônica da unidade prisional de Sapé - Josélio Carneiro (1).jpeg

Na Unidade Prisional de Sapé está sendo desenvolvido o cultivo hidropônico de morangos | Foto: Josélio Carneiro/Seap

por Camila Monteiro*

Experiências de criação de espaços comunitários em que as pessoas podem reunir-se e ter contato com a natureza podem ser registradas nas hortas urbanas existentes em João Pessoa. Nesses ambientes, a população pode cultivar desde produtos agroecológicos até plantas medicinais, tornando-se ainda um local de aprendizado, ressocialização e valorização dos espaços urbanos.

 “As hortas urbanas fazem parte de um segmento maior do que chamamos de agricultura urbana e periurbana — forma de cultivo realizadas em áreas localizadas nos centros urbanos ou nas suas periferias”, explicou Jailson do Carmo, professor dos cursos de Agroecologia e Horticultura do Instituto Federal da Paraíba (IFPB).

Projetos, como o Hortas para a Liberdade, que visa incentivar o ensino da horticultura e do processamento de alimentos para os reeducandos das unidades prisionais do estado, e o Hortas nas Escolas, que promove educação ambiental, nutricional e a cooperação entre os alunos da rede municipal de ensino são exemplos de como a prática pode trazer benefícios para diversos grupos sociais.

“As hortas são espaços pedagógicos e terapêuticos para se trabalhar a questão da educação ambiental, além de trazer benefícios sociais e comunitários, nos quais as pessoas desenvolvem o espírito de coletividade e o cooperativismo. Cultivar, portanto, contribui no sentido de fortalecer os laços de amizades e as interações entre as pessoas, coisa que é cada vez menos comum nos grandes centros urbanos, principalmente”, pontuou Jailson.

Liberdade

O programa Hortas para a Liberdade, vinculado à Secretaria de Administração Penitenciária Estadual (Seap) e executado pela Gerência de Ressocialização, tem como foco o cultivo de hortaliças e o ensino profissionalizante em horticultura voltado aos reeducandos das unidades prisionais. Atualmente, três penitenciárias do estado — localizadas em Remígio, Sapé e Santa Rita —, possuem agroindústrias próprias destinadas ao processamento dos alimentos produzidos nas hortas e ao ensino técnico de manipulação de alimentos, além de promover a geração de renda. Em Remígio, é feita a produção de pimenta em conserva; em Sapé, a fabricação é de geleia de morango; e, em Santa Rita, os reeducandos produzem legumes em conserva. Os produtos são comercializados na loja Novo Tempo, da Seap, localizada no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, em João Pessoa, e também em eventos promovidos ou apoiados pela secretaria.

“A maioria dessas pessoas é, até hoje, oriunda de uma realidade rural, agrária, principalmente nas unidades em que o projeto tem sido implementado. Ao adquirir esses conhecimentos, podem replicar essas novas perspectivas quando estiverem em liberdade”, explicou Lucas Bras, coordenador do programa, relatando que a iniciativa tem dado muitos frutos, a exemplo de pessoas que participaram do projeto e hoje, em liberdade, utilizam as técnicas aprendidas, atuando na área. “A ação representa uma contribuição capaz de gerar resultados satisfatórios, pois transmite um conhecimento que retorna à sociedade, ao permitir que essas pessoas produzam, processem alimentos e contribuam para a geração de renda própria e de suas famílias”, ressalta Lucas.

Manoel Batista é reeducando em Sapé e participa do projeto há um ano e quatro meses. “Eu me sinto maravilhado quando estou mexendo com a terra, eu adoro, porque eu trabalhava com plantação de coqueiro. Estou encantado com o plantio dos morangos aqui da unidade, está uma coisa linda. Com sinceridade, quando eu estou na horta, até esqueço que sou um detento”, comentou.

Além de parte da produção ser destinada ao consumo nas próprias unidades prisionais, o excedente é doado para instituições de caridade — asilos de idosos e creches municipais. “O pessoal que trabalha produzindo as hortaliças sabe dessas doações e se sente satisfeito de estar fazendo parte dessas ações”, relatou o coordenador do programa.

Escolas

João Arthur, do 6º ano, fiscaliza o quintal todos os dias | Foto: Evandro Pereira

Outra iniciativa nesse sentido é o Programa Horta na Escola, que desenvolve atividades multidisciplinares e visa utilizar o cultivo como ferramenta pedagógica, promovendo a educação ambiental, nutricional e cooperação entre os alunos. “O projeto trabalha ações que envolvem toda a escola, professores, estudantes, nutricionistas e funcionários da cozinha”, explicou Herbert Uchoa, assessor técnico da Seção de Educação Ambiental da Secretaria de Educação e Cultura Municipal (Sedec).

A atuação acontece em parceria com outras duas instituições, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedest) —  que colabora com apoio técnico e doação de sementes — e a Secretaria do Meio Ambiente (Semam), que disponibiliza composto orgânico produzido no viveiro municipal para ser utilizado nas hortas. “É produzido de tudo um pouco: alfaces, coentro, couve, rúcula, tomates, macaxeira, plantas medicinais e frutas (melão e melancia)”, destacou Herbert.

“Durante a implantação da horta e construção dos canteiros, os professores de Matemática fazem atividades de cálculos e medidas de peso. Os professores de Ciências trabalham com o desenvolvimento das plantas, do plantio à colheita. Professores de História sobre o porquê destes alimentos estarem incluídos na nossa cultura alimentar. Os nutricionistas trabalham com a importância da inclusão das verduras e legumes na alimentação dos estudantes e os funcionários da cozinha têm acesso a mais possibilidades de enriquecimento da merenda escolar”, explicou o acessor técnico.

Nas escolas onde o projeto é implantado, os alunos desenvolvem, junto com os professores, projetos de educação ambiental. A Escola Virginius Gama e Melo, no bairro de Mangabeira I, é referência quando se fala em horta escolar. A instituição, inclusive, participou da Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente, apresentando o projeto da Horta na Escola.

O professor de Ciências Tanilson Enedino coordena o projeto da horta na escola. “Sempre gostei de trabalhar com plantas, então, fiz o projeto e comecei a desenvolver. Essa área era inutilizada, com muito mato, lixo. Conversei com os alunos, eles gostaram da ideia de transformá-lo em um espaço vivo, e começamos o trabalho”. Segundo Tanilson, a horta serve como plataforma de multidisciplinaridade, e há a interação com os professores das demais matérias. “Eu vejo quais assuntos estão sendo abordados e trago para a realidade da plantação”.

O aluno João Arthur, do 6o ano, conta que todo dia passa no local para dar uma organizada. “Aos pouquinhos, a gente está ajeitando mais a horta para deixar tudo bonito”. Miguel Barreto, de 11 anos, também integra o projeto. “É muito massa ter um espaço assim, porque a gente pode aprender outras coisas fora das disciplinas. A horta mudou minha rotina, meu jeito de viver, meu jeito de agir”, comentou. Pedro Lucas Aymar já possuía uma horta em casa e utilizou os conhecimentos adquiridos no projeto para melhorá-la. “Eu sou uma pessoa que gosta muito da natureza, e acredito que o cultivo na escola mudou muita coisa na minha vida”.

Quando plantar é semear cidadania, conhecimento e saúde

A horta agroecológica desenvolvida pela Associação Comunitária Agrícola Muçumagro tem um papel fundamental na comunidade: ensinar aos moradores os princípios do cultivo sustentável para que eles possam replicar os ensinamentos em suas próprias casas. Além disso, a associação promove oficinas e rodas de conversa sobre economia solidária e comercialização, com o intuito de fortalecer a autonomia dos moradores da região.

“A gente quer trazer o pessoal para aprender a fazer a horta, mexer com a terra, para que eles consigam replicar em seus próprios espaços. Para que isso seja realizado, nós temos salas de aulas e materiais didáticos. O resultado disso  repercute na economia solidária, com a implantação da feira orgânica, quando quem planta vende os seus próprios produtos”, explicou o vice-presidente da Associação, Wallam Silva. 

No canteiro onde se tinha lixo, hoje tem espécies medicinais | Foto: Evandro Pereira

Além da horta, a associação mantém um cultivo de plantas medicinais na calçada em frente a sua sede. “Toda a comunidade jogava lixo ali. Como forma de acabar com o descarte indiscriminado, pensamos em fazer um plantio de chás. Limpamos tudo, plantamos e colocamos uma placa dizendo: ‘Traga uma planta, não lixo’ e destinamos um local adequado para as pessoas colocarem o lixo. Todo dia, quando chegamos, tem uma planta nova, não tem mais sujeira na calçada”, comentou Wallam, explicando que a ideia, agora, é aumentar para que o cultivo aconteça em toda a calçada e cumpra o seu papel pedagógico e agregador.

USF

A horta medicinal da Unidade de Saúde da Família (USF) Quatro Estações, localizada em Mangabeira VII, funciona desde 2016. A agente comunitária responsável pelo plantio, Rita de Cássia Nascimento, explicou que, anteriormente, o espaço ao redor da unidade estava abandonado. “Eu iniciei o projeto, limpei o terreno e fui dando início à horta. Hoje, ela é linda, produtiva. A comunidade faz bastante uso dela”.

Rita comentou que a finalidade da iniciativa é exatamente incentivar as pessoas a voltarem a usar as plantas medicinais. “Nós temos boldo, erva-cidreira, babosa, capim-santo, hortel. Temos umas 70 espécies de plantas. A mais procurada é o capim-santo, usada para evitar crise de ansiedade e para baixar a pressão”.

No caso de Rita, o conhecimento sobre plantas medicinais foi transmitido por seu pai, que era rezador e agricultor, detentor de saberes ancestrais. Por meio das hortas comunitárias, esse aprendizado, transmitido historicamente por gerações, multiplica-se, fortalecendo as relações interpessoais e aprofundando o encontro dos seres humanos com a natureza.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 9 de novembro de 2025.