As notas falsas sempre fizeram parte do imaginário popular: das malas lotadas de dinheiro do contrabando, nos filmes de ação, aos laboratórios escondidos com prensas que fazem qualquer um ficar tão rico quanto se queira. Mas, fora da ficção, a falsificação de dinheiro segue viva e em constante transformação. Mesmo em tempos de pagamentos instantâneos e transferências por celular, a Paraíba ainda registra um grande número de cédulas falsas identificadas pelo Banco Central do Brasil (BCB).
Em 2019, último ano sem o Pix — que se tornou disponível novembro de 2020 —, foram registradas 4.539 cédulas falsas na Paraíba, somando quase R$ 301 mil em notas recolhidas pelas autoridades. Seis anos depois, o número caiu, mas o problema persiste: de janeiro a setembro de 2025, já foram apreendidas 1.206 cédulas, num total de R$ 136,7 mil. A redução de 73,4% na quantidade de notas não significou o fim do crime, que tem se adaptado com mudanças estratégicas.
Os inquéritos instaurados pela Polícia Federal (PF) na Paraíba também refletem essa queda. Até outubro de 2020, haviam sido abertos 596 procedimentos para apurar crimes de falsificação de cédulas. Nos primeiros 10 meses deste ano, o número caiu para 290 registros, o que representa uma redução de 51%.

- Delegado orienta que se deve atentar para os sinais, como marca d’água, faixa holográfica e fibras coloridas, comparando-os com o de um exemplar que se saiba ser verdadeiro | lustração: Bruno Chiossi
Para se ter um comparativo, o prejuízo com fraudes no Pix cresceu 70%, em 2024, e atingiu o montante de R$ 4,9 bilhões, no ano passado, segundo dados do BCB. Os números dizem respeito às devoluções de valores que foram solicitadas por usuários e instituições participantes do Pix, após fraudes terem sido constatadas, mas que não puderam ser retornados. A digitalização dos pagamentos empurrou parte dos golpistas para novas frentes.
Se, antes, a atenção concentrava-se nos caixas e no comércio físico, hoje, o foco da PF está nas redes sociais e nas remessas postais. O BCB calcula que 36,4% dos brasileiros já receberam uma nota falsa e que muitos só descobrem porque outra pessoa os avisa. O delegado Christiano de Oliveira Rocha, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários, explica que a Paraíba não abriga grandes laboratórios de falsificação, mas se tornou rota de distribuição.
“A maioria dos laboratórios está no Rio de Janeiro e em São Paulo. Aqui, o que a gente tem observado são destinatários dessas cédulas. São pessoas que compram pela internet, em grupos de Instagram, Facebook e Telegram, e recebem pelos Correios”, relata o delegado.
Parcerias institucionais reagem à sofisticação da fabricação
Segundo Christiano Rocha, a comercialização de notas falsas ocorre em pequenos volumes, com compradores cada vez mais jovens. As apreensões mais recentes envolvem remessas de 10 a 20 cédulas, adquiridas por valores em torno de R$ 300 por R$ 1.000 falsos, de acordo com informações da Polícia Federal. Há casos em que as notas chegam ainda em folhas de papel A4, prontas para serem recortadas. Além do golpe com o dinheiro analógico para realizar a venda e a distribuição por meios digitais — principalmente, com o público jovem —, o delegado afirma que a produção vem se tornando mais sofisticada.
As impressoras de alta resolução, acessíveis em lojas comuns de informática, e a facilidade de comprar papéis especiais pela internet aumentaram a qualidade das falsificações. “As cédulas estão com uma qualidade bem melhor do que antes, com textura e aparência que enganam até pessoas experientes, principalmente em ambientes noturnos ou com pouca iluminação”, observa Rocha.
Ele ressalta que o controle sobre os materiais usados é praticamente inexistente, já que os papéis e tintas não são produtos restritos. “Você monta um laboratório numa sala e consegue produzir um volume relativamente alto”, pontua.
O avanço do comércio eletrônico e da logística global também favoreceu a circulação. Os Correios reconhecem o desafio e destacam a importância do trabalho conjunto com os órgãos de Segurança. Em nota, a estatal informou que a cooperação com a PF é “fundamental para a repressão ao tráfego de ilícitos no fluxo postal”, incluindo cédulas falsas.
A instituição reforça que o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado, em fevereiro deste ano, visa intensificar ações de monitoramento, prevenindo crimes contra os serviços postais e o envio de objetos ilícitos. “A integração das equipes de Segurança contempla ações institucionais e de inteligência, abrangendo, inclusive, o uso de tecnologia e de equipamentos de raios X nos centros de distribuição”, diz o comunicado.
Na avaliação de Christiano Rocha, esse tipo de esforço é decisivo para interceptar encomendas suspeitas. Sem detalhar os métodos de investigação, o delegado resume: “Há um monitoramento conjunto e um trabalho de inteligência que permite à Polícia Federal abordar a pessoa no momento em que recebe o pacote. A partir daí — e, muitas vezes, por meio dos celulares dessas pessoas —, chega-se aos donos dos laboratórios”.
Comércio atesta redução de casos, mas continua alerta
No comércio de João Pessoa, as notas falsas ainda aparecem de forma esporádica, mas a impressão geral é que esse é um tipo de crime cada vez menos frequente. A gerente comercial Verângela Carvalho, do grupo Casa Tudo, lembra que as ocorrências diminuíram desde que o Pix popularizou-se.
“Hoje são bem menos casos, porque as transações ocorrem muito mais pelo Pix. Já passamos muito por isso [pagamento com dinheiro falso], mas, atualmente, não mais. Nem lembro quando foi a última vez que a empresa recebeu notas falsas”, revela. De acordo com Verângela, as lojas do grupo dispõem de mecanismos internos de verificação, como detectores e o treinamento das equipes de caixa quanto à verificação das cédulas. “A experiência também ajuda muito. A gente aprende a identificar a textura, o relevo [das notas] e, com isso, evita prejuízo”, comenta.
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de João Pessoa, Nivaldo Mariano, confirma que o problema já foi mais frequente. “Até um tempo atrás, o pessoal do Banco Central aparecia todo ano na CDL, mostrando as novas técnicas para identificar nota falsa, mas, da pandemia para cá, eles deixaram de vir”, relata.
Conforme Nivaldo, o impacto é direto: “Quando o lojista não identifica a nota falsa, o prejuízo fica com ele. Se tentar repassar, está cometendo crime. Então o que o lojista precisa é identificar antes de aceitar”. Apesar de não haver registro recente de queixas, ele alerta que o comércio deve manter atenção redobrada. “A gente não tem recebido reclamações, mas isso não quer dizer que o problema acabou. Às vezes, a pessoa percebe o golpe e resolve sozinha”, aponta.
Christiano Rocha reforça o que o dirigente da CDL descreve. “O prejuízo fica com o lojista, e tentar repassar a cédula é crime. Quem a recebeu de boa-fé e tenta devolvê-la à circulação, depois de saber que é falsa, pode responder com detenção de seis meses a dois anos e multa”, ressalta o delegado.
Recomendações
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) orienta que, ao identificar uma cédula suspeita, a pessoa procure imediatamente uma agência bancária ou a Polícia Federal. O BCB é o órgão responsável por recolher as notas falsas, que passam por perícia e são retiradas de circulação. Nenhum valor é restituído.
As entidades reforçam que não há ressarcimento para quem recebe moeda falsa, motivo pelo qual a atenção continua sendo a principal forma de prevenção. A Febraban lembra, ainda, que a instituição bancária tem o dever de encaminhar as cédulas para análise, e recomenda que os estabelecimentos mantenham um exemplar verdadeiro para comparação.
Rocha salienta que a postura do comprador também serve como alerta. “Quem tenta pagar com nota falsa, geralmente, tem pressa de encerrar o negócio e sair rápido. Isso deve acender um sinal de desconfiança”, diz. Ele lembra que, embora o dinheiro físico circule menos, o risco ainda existe. “Hoje em dia, até flanelinha recebe por Pix. Então, quando alguém insiste em pagar em espécie, é bom observar. As pessoas devem olhar a marca d’água, as fibras coloridas, a faixa holográfica e comparar com uma nota que saibam ser verdadeira”.
A recomendação, segundo o delegado da PF, é clara: atenção e prevenção. “Quem recebe a cédula deve ter cuidado e, se houver dúvida, procurar a polícia ou o banco. O melhor caminho é desconfiar, porque, nesse tipo de golpe, a pressa é sempre do outro lado do balcão”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 9 de novembro de 2025.