Seja para fugir do grande fluxo de trânsito, pela busca por um meio de transporte mais sustentável e econômico ou como opção para melhorar a saúde e a qualidade de vida, o uso de bicicletas tem aumentado bastante. Diante desse cenário, a estrutura de mobilidade urbana também precisa se adequar, especialmente nas grandes cidades, com a implantação de ciclovias e ciclofaixas. Em João Pessoa, são 121,8 km dessas pistas, segundo a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob-JP), a maior parte na orla marítima. Os ciclistas relatam a falta desses circuitos em bairros e periferias do município, além da insegurança, falta de manutenção e desrespeito por parte de motoristas e pedestres.
Segundo a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), a capital paraibana é a 12a do país com a maior malha cicloviária em relação à população, com 12,59 km por 100 mil habitantes. Quanto ao índice de acidentes, um levantamento realizado pelo Departamento de Trânsito da Paraíba (Detran-PB) apontou que 437 ocorrências no estado envolveram ciclistas em 2024, uma média de 1,2 acidente por dia.
O motorista por aplicativo, Wagner Belo Rocha, que também é ciclista, conta que nunca teve contratempos no trânsito nem se envolveu em acidentes com as bikes. “Já tive problemas com motociclistas, bateram três vezes em mim, mas com ciclistas nunca”, comenta. Ele ainda diz que, como ciclista, sofre com o desrespeito de motoristas e pedestres quando transita nas vias para bicicletas. “Eu, por diversas vezes, pedalei na orla, e o pessoal estava caminhando ou correndo na ciclofaixa. Ou seja, tem uma calçada enorme para caminhar, mas vão para a faixa dos ciclistas. Quando pedi para liberar o espaço, me xingaram, mandaram para todo canto”, lamenta Wagner, atribuindo a eventos como esse a culpa de muitos acidentes.
Tamires Carolina de Oliveira trabalha, desde 2022, fazendo entregas de bicicleta pelo iFood, em João Pessoa. Ela conta que, inicialmente, circulava mais próximo de Cruz das Armas, bairro onde mora, mas hoje transita também em outras áreas do município. “Daqui para lá, não existe ciclovia e tem muitos carros e motos que não respeitam, querem que a gente ande bem no cantinho, e, se derem um toque no guidom, a gente já cai. Todo dia tem essas questões”, afirma.
Sobre a utilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), Tamires diz que, no início, não usava, mas, depois que ganharam os itens do aplicativo, ela passou a usar, porém parou novamente. “Ultimamente não estou usando, porque também sua muito, e, às vezes, a gente vai entrar num shopping e o segurança manda tirar”, relata. Para a entregadora, a rotina de trabalho com o uso da bicicleta seria melhor se houvesse mais ciclovias e ciclofaixas. “A gente ia ficar um pouco mais seguro”, destaca, comentando também que, mesmo nos lugares onde elas existem, muitas pessoas não respeitam, estacionado veículos no local ou usando o espaço para caminhar, e que isso precisa de fiscalização.
Outro ciclista, Damião Toscano, conta que anda de bicicleta por João Pessoa há mais de 30 anos e reclama que falta segurança. “Costumo combinar passeios em grupos, porque acho mais seguro. Quando tem mais gente, os carros até passam com mais cuidado, com medo de bater, e até mesmo a possibilidade de assaltos é menor”, comenta. Quanto ao espaço para as bikes, ele diz que falta ampliação das ciclovias “Quase não temos nos bairros, só mais em pontos turísticos. Falta a interligação dos bairros para o Centro e do Centro para as praias. A prefeitura precisava investir nisso aí”, pontua e diz também que falta manutenção nas ciclovias existentes, pois muitas delas já estão com buracos e desníveis.
Segundo a Semob-JP, a instituição é responsável pela manutenção da sinalização (vertical e horizontal). A manutenção física e estrutural desses espaços, por sua vez, deve ser feita pela Secretaria de Infraestrutura (Seinfra-JP). Quanto à ampliação da malha viária, a informação é que ela passa por uma revisão de infraestrutura e obras para ampliar e conectar todo traçado cicloviário proposto. “O Plano de Mobilidade Urbana (Planmob) considerou a bicicleta como transporte fundamental para a integração com os outros modais e como alternativa viável para a melhoria da mobilidade no município de João Pessoa. Nesse cenário, a prefeitura pretende inserir a cidade de João Pessoa no rol das capitais brasileiras que mais fazem uso desse modal, expandindo a rede de mobilidade urbana e conectando pessoas a novas oportunidades”, afirma a nota enviada pela Superintendência.
Normas
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), os condutores de automóveis precisam manter uma distância mínima de 1,5 m do ciclista, que deve trafegar na mesma mão da via, e nunca em sentido contrário. A coordenadora da Educação para o Trânsito do Detran-PB, Ariana Nogueira, explica que “os ciclistas devem se colocar no trânsito como qualquer outro participante desse espaço”, orientando que é importante se fazer ser visto, pois andar no lugar errado dificulta a visualização, o que pode resultar em sinistros.
Ariana ainda aconselha os ciclistas, de modo geral, a não transitar pelas calçadas e a utilizar dos EPIs. “O uso desses equipamentos é obrigatório, mas, muitas vezes, percebemos que apenas os ciclistas esportivos os utilizam. No entanto, aqueles que se deslocam para o trabalho também devem usar capacete — assim como os motociclistas são obrigados a usá-lo. Ainda assim, há uma certa permissividade na fiscalização, do ponto de vista da própria legislação”, destaca.
A coordenadora também ressalta a necessidade de que as pessoas se eduquem melhor para o trânsito, pensando na segurança coletiva e no bem comum, assumindo suas responsabilidades individuais, e comenta que a capital paraibana precisa avançar em termos de políticas públicas para o ciclista. “Ainda existe uma necessidade de melhoramento da urbanização e mobilidade humana do trânsito, e a gente tem usado esse conceito de humano, afinal ele é feito por pessoas e para pessoas. Então, dentro das cidades, precisamos criar uma mobilidade para garantir a segurança de todos”, conclui.
Em relação ao uso de ciclovias e ciclofaixas, o espaço é exclusivamente das bicicletas. Por isso, motos, carros ou qualquer outro veículo e pedestres são proibidos de trafegar nessas vias. Além do risco de provocar acidentes, o descumprimento da norma é considerado infração grave, de acordo com o CTB.
Campina tem realidade parecida com a capital
por Maria Beatriz Oliveira*
Embora a bicicleta seja um meio de transporte econômico e benéfico para a saúde, o trânsito pode ser um desafio para os ciclistas. Compartilhar as vias com caminhões, carros e motos que frequentemente invadem o espaço destinado às bicicletas exige atenção constante.
Felipe Oliveira, educador físico, que usa a bicicleta para visitar amigos e ir aos parques públicos de Campina Grande para se exercitar, frequentemente enfrenta essa realidade. Ele relata que seus trajetos exigem atenção redobrada e, por vezes, ele precisa escolher caminhos mais longos para evitar situações de risco.
“Nunca saio à noite porque o perigo fica ainda maior, mesmo com as luzes de segurança instaladas na bicicleta. Também, muitas vezes, evito usar as avenidas mais movimentadas, mesmo que tenham ciclofaixa, porque muitos motoristas não respeitam e invadem para fazer ultrapassagens”, contou Felipe.
Os trajetos de Felipe revelam uma realidade comum para ciclistas: cerca de metade do percurso feito pelo educador físico conta com infraestrutura como ciclofaixas ou ciclovias, porém a outra parte do percurso não oferece essa segurança. Mesmo onde há espaço exclusivo para bicicletas, ele observa que acontece o uso indevido por motoristas, que estacionam seus veículos nessas áreas. Destaca também a falta de manutenção, exemplificando com sua experiência na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB): “Quando eu estava estudando na UEPB, queria ir de bicicleta, porque era bem próximo de casa, mas a ciclofaixa até lá está completamente tomada pelo matagal do acostamento, então ficava inviável”.
Ações
A malha cicloviária de Campina Grande aumentou nos últimos anos, chegando a mais de 100 km de vias exclusivas para bicicletas. “Fazemos questão de implementar mais ciclovias e ciclofaixas para garantir a segurança dos ciclistas. O trabalho que temos feito agora também é de interligação dessas ciclovias, para que a gente possa dar tranquilidade na travessia das avenidas, além da restauração de algumas já existentes. Mas, na Avenida Plínio Lemos, por exemplo, no bairro Malvinas, estamos construindo uma ciclovia extensa para a população. Na Félix Araújo, que abrange os bairros Alto Branco, Jardim Tavares, Santo Antônio, José Pinheiro e Monte Castelo, estamos atuando da mesma forma”, detalhou Vítor Ribeiro, superintendente de trânsito de Campina Grande.
Ribeiro enfatizou que, além da infraestrutura, o trabalho de conscientização é fundamental, tanto para motoristas quanto para ciclistas. “Quando invadimos o espaço do outro, acabamos perdendo o direito”, pontuou. Ele defende que, com o respeito mútuo aos espaços — de motos, carros, ônibus e bicicletas —, o trânsito vai se tornar “cada vez mais humanizado”.
A Superintendência de Trânsito e Transponte Público (STTP) também investe em campanhas para incentivar a responsabilidade individual, lembrando que “é importante que cada um faça a sua parte”, inclusive os ciclistas, utilizando ciclovias, ciclofaixas e EPIs como capacete, cotoveleira e joelheira.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de junho de 2025.