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Portas abertas para a comunidade

publicado: 16/06/2025 09h27, última modificação: 16/06/2025 09h27
Espaços geridos pelo Poder Público oferecem atenção e acolhimento para garantir dignidade às minorias
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Situada no Centro de João Pessoa, a Casa Amarela promove assistência psicológica, capacitações e ações de empregabilidade | Fotos: Evandro Pereira

por Lilian Viana*

No mês em que o Brasil pinta ruas e perfis nas redes sociais com as cores do arco--íris, os dados seguem sombrios: de 2014 a 2023, o país viu crescer, em mais de 1.000%, os casos de violência contra a população LGBTQIAPNb+, segundo o Atlas da Violência 2025. Embora o número de assassinatos tenha caído 16% em 2024, o Brasil permanece, pelo 16o ano consecutivo, como o país que mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo.

Diante do cenário nacional alarmante, a Paraíba mostra que o Poder Público pode e deve ser um aliado na promoção da dignidade humana. No mês do Orgulho LGBT, mais do que bandeiras coloridas e celebrações, o estado destaca-se como um dos que oferece uma rede pública estruturada de amparo, proteção e promoção de cidadania para essa população.

Situada em uma charmosa casa amarela no Centro de João Pessoa, a Coordenadoria Municipal de Promoção da Cidadania LGBT e da Igualdade Racial vai além de um equipamento público: é um refúgio de escuta, acolhimento e garantia de direitos. Fundada pela Lei Municipal no 12.400, de 2012, e funcionando desde 2015, a Casa Amarela, como também é conhecida, atua como ponte entre o Poder Público e segmentos historicamente marginalizados, como as comunidades LGBTQIAPNb+, negra, quilombola, cigana e de praticantes de religiões de matriz africana.

“Aqui, promovemos cidadania por meio de serviços essenciais. Tudo voltado para a inclusão e o respeito à diversidade”, explica Geraldo Filho, coordenador de Promoção à Cidadania LGBT e de Igualdade Racial desde 2021. Ele destaca que, apesar do foco no público LGBTQIAPNb+, o atendimento é aberto a qualquer pessoa que busque os serviços fornecidos no local.

Além do cuidado individual, a coordenadoria promove ações de empregabilidade, tendo ofertado, recentemente, 100 vagas exclusivas para pessoas trans, em parceria com a Secretaria Municipal do Trabalho. Também faz campanhas de prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), distribui materiais educativos e fomenta a formação profissional, com cursos de Inglês, Libras e Gastronomia.

No próximo dia 27, inclusive, a Casa realizará a Caravana do Cuidar. O evento levará os serviços da coordenadoria até uma comunidade periférica no bairro de Muçumagro, com atendimento psicológico, assessoria jurídica, testagem de ISTs, emissão de documentos e oficinas de capacitação. “A saúde é nosso foco principal. Ter acesso a um endocrinologista ou psicólogo pode ser uma questão de dignidade para muitas pessoas trans e LGBTs que enfrentam barreiras históricas”, frisa Geraldo.

Serviços alimentam confiança e esperança

Um exemplo concreto da atuação da Casa Amarela é a história de Luna Viana, mulher trans de 18 anos, que encontra no espaço uma segunda chance de existir com dignidade. Emocionada, ela relata o que sentiu ao cruzar os portões da coordenadoria pela primeira vez. “Eu cheguei retraída, com muito medo. Mas, desde o primeiro momento, senti-me acolhida. A advogada me ouviu com atenção. Thamara me viu, aproximou-se e, desde então, estou fazendo acompanhamento psicológico com ela”, conta Luna, referindo-se à psicóloga Thamara Bernardino, que lidera o setor de Psicologia Clínica. Carro-chefe da Casa Amarela, o departamento vem beneficiando, só neste ano, 40 pessoas, sendo responsável por até quatro atendimentos por dia, com o apoio de dois profissionais voluntários e seis estagiários, vindos de instituições como a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Uninassau. 

Setor de acompanhamento psicológico da Casa reúne profissionais voluntários e estagiários

“A gente recebe um público que, muitas vezes, chega numa situação de muita dor emocional. Então, nosso cuidado é para que o atendimento seja o mais humanizado e acolhedor possível”, afirma Thamara. O processo terapêutico começa com uma escuta ativa e não robotizada, respeitando o tempo e as singularidades de cada indivíduo. “Não há uma fórmula. Cada pessoa carrega sua história, e nosso papel é acolher isso com compromisso”, ressalta.

Além de tratar o sofrimento psíquico, a psicóloga salienta que muitos usuários do local buscam autoconhecimento, fortalecimento da autoestima e desenvolvimento pessoal. “O que mais identificamos não é a dificuldade de autoaceitação, mas a dor de não ser aceito pelo outro — especialmente pela família, que deveria ser o primeiro núcleo de apoio”, lamenta a profissional.

Para Luna, o acompanhamento psicológico é essencial, e o diferencial da Casa está na dedicação da equipe. “Estou na minha sétima sessão com Thamara. O compromisso dela comigo é incrível. Eu tinha medo de entrar num lugar em que fosse só mais um número, mas lá isso não acontece. Ela me trata com respeito e profissionalismo”, garante a jovem, revelando, ainda, que a coordenadoria a ajudou no processo de retificação de seus documentos e tem sido peça-chave para sua inserção no mercado de trabalho.

“Graças ao cadastro na coordenadoria, consegui participar de várias seleções de emprego. Fiz cursos, fortaleci-me e, hoje, sou uma pessoa mais esperançosa”, comemora. Testemunhos como o de Luna multiplicam-se na Casa, como conclui Thamara: “Há relatos de transformação: pessoas que chegam com baixa autoestima e saem fortalecidas, empoderadas, reconhecendo seu valor e suas potencialidades”.

Atendimento

O acesso aos serviços da coordenadoria pode ser feito presencialmente ou pelo aplicativo João Pessoa na Palma da Mão, mas Geraldo reforça a importância de se visitar o espaço para uma triagem completa e a inclusão na lista de transmissão da Casa, pela qual são divulgadas ações como eventos e campanhas.

Governo mantém rede contra a LGBTfobia

Além do exemplo da Casa Amarela, mantida pela Prefeitura de João Pessoa, o Governo da Paraíba oferece uma rede de enfrentamento da LGBTfobia, coordenada pela Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh). “Essa rede é essencial. Trabalhamos com centros de referência, como os Espaços LGBT de João Pessoa e de Campina Grande, que contam com equipes multidisciplinares e oferecem desde orientação jurídica até cursos profissionalizantes e apoio psicológico”, detalha a titular da Semdh, Lídia Moura. Criados para combater a discriminação e promover os direitos da comunidade LGBTQIAPNb+, esses centros atuam em articulação com escolas, movimentos sociais e outros órgãos públicos, compondo a Rede Estadual de Atenção à População LGBTQIAPNb+ e Enfrentamento à LGBTfobia (Realp).

Na capital, há, ainda, a Casa de Acolhida Cris Nagô. Voltado para pessoas de 18 a 59 anos em situação de rua, abandono familiar ou violência, o local é o primeiro do país mantido, exclusivamente, com recursos do Tesouro Estadual. “É uma casa que oferece dignidade e cidadania e, acima de tudo, que enxerga, acolhe, ouve e cuida de vidas que historicamente foram invisibilizadas”, resume Lídia. Com uma equipe formada por profissionais de enfermagem, psicologia, assistência social, assessoria jurídica e pedagógica, a unidade oferece não apenas abrigo, mas também inserção em políticas de educação e de trabalho.

“É importante citar, ainda, o Projeto Entrelace, que visa conscientizar a população sobre a Lei Maria da Penha, fortalecer as redes de proteção às mulheres e realizar formações sobre letramento racial e LGBTQIAPNb+”, finaliza a secretária.

Endereços e Contatos

  • Espaço LGBT em João Pessoa
  • Rua Princesa Isabel, nº 164, Centro
  • (83) 3214-7188 | 99119-0157 (WhatsApp)
  • centrolgbtpb@gmail.com
  • Espaço LGBT em Campina Grande
  • Rua Pedro I, nº 558, São José
  • (83) 3342-6873 | 99163-3465 (WhatsApp)
  • espacolgbtcg@gmail.co
  • Casa de Acolhida Cris Nagô
  • Rua Evaldo Wanderley, nº 884, Tambauzinho, João Pessoa
  • Casa Amarela
  • Parque Solon de Lucena, no 216, Centro,
  • João Pessoa
  • (83) 3213-5289/5290 | 98730-6036
  • sedes@joaopessoa.pb.gov.br

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de junho de 2025.