Após dois anos de investigação, e com a atuação integrada de cerca de 150 servidores públicos do Estado da Paraíba, a Operação Baronato, deflagrada ontem, cumpriu nove mandados de prisão preventiva e 13 de busca e apreensão, incluindo alvos em Campina Grande (PB), no Paraná e em São Paulo. Um investigado em Campina ainda encontra-se foragido.
Coordenada pelo Grupo Operacional de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf), a operação tem como objetivo desmantelar um esquema criminoso de fraude fiscal estruturada, responsável por sonegar valores expressivos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na Paraíba, por meio de mais de 100 empresas laranjas, causando um prejuízo estimado em mais de R$ 110 milhões aos cofres públicos do estado.
Além do Gaesf — braço operacional do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos da Paraíba (Cira), formado por integrantes das secretarias de Estado da Fazenda (Sefaz) e da Segurança e Defesa Social (Sesds), da Procuradoria-Geral da Paraíba (PGE-PB) e do Ministério Público do estado (MPPB) —, a Operação Baronato contou com a participação da Polícia Civil paraibana (PCPB). Por determinação da 1ª Vara Regional das Garantias de João Pessoa, também foram executadas ordens de bloqueio de mais de 120 contas bancárias e de sequestro de bens dos investigados — incluindo veículos de luxo, seis tipos de moedas estrangeiras e três caminhões.
Durante uma coletiva de imprensa realizada, ontem (07), na sede do MPPB, em Campina Grande, o procurador--geral de Justiça da Paraíba, Leonardo Quintans, apresentou mais detalhes sobre o caso e comemorou o sucesso da força-tarefa, ao localizar e desvendar como atuavam os criminosos. Segundo ele, o comando do esquema estava sediado em Maringá (PR), envolvendo, ainda, pessoas físicas e jurídicas em João Pessoa, Campina Grande, Morro do Chapéu (BA) e São Paulo (SP).
“Trata-se de uma fraude organizada, que envolvia grupos empresariais em cerca de 20 estados brasileiros, utilizando filiais de fachada na Paraíba para realizar transferências fraudulentas de mercadorias e créditos tributários”, relatou Quintans. “O dia de hoje demonstra à sociedade paraibana que o Ministério Público, a Sefaz e os órgãos de Segurança estão unidos no combate ao crime organizado e, mais do que isso, na garantia de que os recursos públicos retornem efetivamente ao estado, por meio dos serviços prestados aos cidadãos”, acrescentou o procurador-geral de Justiça.
Também presente na coletiva, o secretário-executivo da Sefaz, Bruno Frade, explicou que a organização criminosa aproveitou-se de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) — que estabeleceu a não incidência de ICMS sobre o deslocamento de mercadorias entre filiais de uma mesma empresa — para evitar o recolhimento do imposto e obter vantagem competitiva. “A partir dessa decisão judicial, as empresas passaram a simular operações, realizando transferências de notas fiscais entre matriz e filiais espalhadas por todo o país. Essas operações não geravam tributação e as mercadorias permaneciam em um terceiro local, que as comercializava sem a emissão de notas fiscais, apropriando-se do valor das vendas — o que o grupo chamava de ‘honorários’”, descreveu. Na prática, as filiais de fachada eram usadas para encenar transferências de estoque para a Paraíba, quando, na realidade, os produtos eram entregues diretamente aos compradores no estado, livres da incidência de ICMS.
O representante da Sefaz observou que o grupo ainda passou a transferir créditos fiscais de forma fraudulenta. “Não havia operação comercial real; eles emitiam notas fiscais apenas de crédito, reduzindo artificialmente o imposto devido pelo destinatário. Assim, além de utilizar empresas de fachada e laranjas para abrir negócios falsos, os criminosos também promoviam transferências fictícias de créditos fiscais”, detalhou.
Investigações tiveram início em João Pessoa, há dois anos
O promotor de Justiça de Crimes contra a Ordem Tributária do MPPB, Romualdo Dias, contou que as investigações tiveram início em 2023, após a Sefaz identificar irregularidades em uma empresa sediada em João Pessoa, denominada Trentino Comércio de Alimentos Ltda.
De acordo com o promotor, durante uma ação de fiscalização do endereço, onde funcionaria a suposta sede do empreendimento, foi constatado que lá havia apenas um contêiner, sem qualquer estrutura compatível com uma atividade empresarial. Além disso, moradores da região afirmaram nunca ter observado movimentação comercial no local, o que reforçou as suspeitas de que se tratava de um negócio de fachada.
“Era uma empresa que declarava uma receita mensal de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões, mas nenhum valor era efetivamente tributado, pois se tratava de uma empresa de fachada. Em todo o país, já foram identificadas mais de 50 empresas desse tipo, vinculadas ao mesmo grupo criminoso”, revelou.
“Quando identificamos a Trentino em João Pessoa, o grupo transferiu suas operações para Campina Grande e, mais recentemente, quando o cerco se fechava na cidade, passaram a atuar em Patos. Essa é uma forma de criminalidade sem vítima imediata, mas que afeta diretamente a capacidade de investimento do estado. São integrantes de facções criminosas, que desviam recursos públicos que deveriam ser aplicados em áreas essenciais, como Saúde, Segurança e Educação”, apontou o promotor.
Os investigados pela Operação Baronato poderão responder pelos crimes de sonegação fiscal, organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de capitais, cujas penas, somadas, superam 28 anos de reclusão.
Nome
Conforme o MPPB, a força-tarefa recebeu esse título em referência ao poder concentrado, à estrutura hierárquica e à ampla influência exercida pelo grupo criminoso envolvido, que inclui uma empresa cujo nome vincula-se à figura de um barão.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 08 de Outubro de 2025.