Os ciclistas pessoenses enfrentam, diariamente, a ausência e a má manutenção de cicloestruturas seguras, além da agressividade dos condutores de veículos maiores, como ônibus, carros e motos. Um dos documentos que sustenta essa afirmação foi produzido pela pesquisa “Perfil do Ciclista de João Pessoa”, elaborada em 2024 pelo projeto de extensão Pedagogia Urbana, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em parceria com o movimento Massa Crítica.
De acordo com a pesquisa, só no ano passado, o Hospital de Trauma Senador Humberto Lucena, em João Pessoa, contabilizou mais de 900 atendimentos a ciclistas vítimas de acidentes de trânsito. O índice significa que, em média, mais de dois ciclistas são atropelados por dia na capital.
Um exemplo da realidade cotidiana de perigo pela qual passam aqueles que escolhem ou precisam utilizar as bicicletas como meios de transporte aconteceu na última sexta-feira (18), quando a professora Gisela Carvalho foi atingida por duas motos enquanto trafegava pela ciclofaixa da Avenida Tito Silva, no bairro de Miramar, na capital. A vítima sofreu escoriações pelo corpo e luxação no braço. Em função do acidente, ciclistas de João Pessoa realizaram um protesto contra a falta de segurança no trânsito da cidade.
Para o ciclista Alex da Silva, um dos integrantes do coletivo responsável pela manifestação, a principal causa dos acidentes contra ciclistas no trânsito é a falta de respeito dos motoristas. “Eles precisam entender que a bicicleta é um meio de transporte. Como os motoristas não respeitam os ciclistas no sentido de diminuir a velocidade ou de se afastar pelo menos um metro e meio, torna-se perigoso a gente andar nas vias. Por isso a importância de ter infraestrutura cicloviária. Para que possamos ter segurança de também trafegar no trânsito”.
Alex da Silva relata que João Pessoa não tem nem 5% das ciclofaixas dentro das normas estipuladas em lei. “96% das ciclofaixas da cidade estão fora do padrão”, informa, explanando sobre os riscos reais dessa falta de adequação no cotidiano de quem utiliza a bike como veículo. “A ciclofaixa não tem segregação, então, enquanto ciclistas urbanos, nós pedimos para que sejam feitas as ciclovias onde é possível fazer. As ciclofaixas, por sua vez, precisam ter os padrões do Conselho Nacional de Trânsito [Contran] de distância do trânsito, de pintura, sinalização, delimitação e também de segregação. Esse trabalho não está sendo feito pela Secretaria de Mobilidade Urbana [Semob] na cidade. Então fica muito difícil para a gente usar a bicicleta como meio de transporte”, elucida.
A conservação das estruturas cicloviárias, marcada por pinturas desgastadas e sinalização insuficiente, aliada à presença de ciclofaixas preferenciais sem demarcações claras sobre os veículos autorizados a utilizá-las, tem causado ainda mais transtornos no cotidiano.
Sobre o caso da Avenida Tito Silva, Alex destacou que a ciclofaixa é de uso exclusivo dos ciclistas e que nenhum outro tipo de veículo motorizado pode trafegar por ela. O uso de motos, portanto, constitui infração de trânsito, sendo necessário intensificar a fiscalização, aplicar punições e promover ações de reeducação.
Inclusão e benefícios
Há quatro anos, Alex resolveu trocar o carro pela bicicleta. Ele, como a maioria dos entrevistados da pesquisa, recorre ao veículo pela economia e pelo impacto positivo na saúde. “A bicicleta é um meio de transporte para a população mais pobre. Estava cansado de usar o transporte público, que considero ineficiente e precário. Além disso, tinha o fato de ficar preso no trânsito caótico de João Pessoa. Por isso, resolvi usar a bicicleta e fazer uma utilização cotidiana do veículo para ir a todos os lugares da cidade”, relatou o condutor.
Segundo os dados, mais de 70% dos pessoenses que optam pela bicicleta são trabalhadores e estudantes, que ganham até dois salários mínimos. Quanto ao recorte racial, a maioria dos ciclistas da capital, autodeclara-se preto ou parda. Esses índices mostram o potencial de integração social da bicicleta como meio de transporte.
Alex, portanto, chama atenção para esse aspecto, quando diz que “a bicicleta não é apenas para o esporte, é um instrumento de inclusão social”, tendo em vista que ela possibilita que, pessoas de estratos sociais mais baixos locomovam-se mais rapidamente e sem custos.
“Andando de bicicleta, conseguimos perceber a cidade mais do que indo de carro e ter uma interação social com as pessoas no trânsito. Não é tão estressante quanto dirigir um carro. Você não está mexendo no celular, você está curtindo a paisagem. Porém, a cidade precisa estar preparada e precisa ser cativante para a gente se motivar a pedalar cada dia mais”, narra o ciclista.
Cerca de 74,5% dos entrevistados da pesquisa realizada pela UFPB indicam a falta de infraestrutura adequada como um dos fatores que impedem a adesão completa à bicicleta. É preciso que haja um trânsito mais humanizado, diz Alex, para que os ciclistas consigam pedalar com segurança. Além disso, ele reflete sobre a organização da capital e como o processo de urbanização implementado prioriza os carros em detrimento de outras maneiras de transitar na cidade.
“O trânsito precisa ser para pessoas. Como é que você sai do bairro do José Américo e vai para o Cristo Redentor a pé? Não conseguimos andar a pé na cidade mais”, destaca. “A cidade está sendo construída somente para carros. E a gente precisa pensar a cidade para as pessoas. São as pessoas que se deslocam, não são carros. Tem que ser para pessoas”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de Outubro de 2025.