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pelos céus paraibanos

Como operam os vigilantes aéreos

publicado: 24/11/2025 08h39, última modificação: 24/11/2025 08h48
Militares do Grupamento Tático Aéreo relatam treinamentos, ocorrências marcantes e a formação de novos operadores
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A bordo dos helicópteros Acauãs, pilotos e operadores aerotáticos são acionados para resgates e missões policiais, entre outros casos | Fotos: GTA/Arquivo

por Joel Cavalcanti*

O verão só começa, oficialmente, no dia 21 de dezembro, mas as estradas movimentadas e as praias cheias do Litoral indicam que o período já é de bastante trabalho para quem ocupa os céus do estado. Para o Grupamento Tático Aéreo (GTA) da Paraíba, essa é uma temporada de missões especiais, onde o erro não cabe. Quem observa, do solo, não enxerga as exigências do extenuante treinamento a que o efetivo é submetido para enfrentar a rotina de sol, mar, resgates e emergências.

Com os dois helicópteros Acauãs (aeronaves modelo Esquilo, uma B2 e outra B3), e uma equipe de 45 pessoas, entre pilotos e operadores aerotáticos — que ficam pendurados nas laterais dos veículos —, as missões envolvem risco e uma preparação para múltiplas tarefas. São atendimentos aeromédicos, buscas, salvamentos de acidentes viários, afogamentos no mar e apoio às operações das Forças de Segurança em terra. Para quem entra no GTA, a dureza desse preparo compara-se apenas aos níveis de cobrança dos militares do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope).

“O treinamento é intenso, porque possibilita habilitar o operador a fazer todas as atividades que a gente faz”, explica o coronel Carlos Nascimento, comandante do grupamento. Oficial da Polícia Militar do estado (PMPB) desde 2000, piloto formado em 2015 e à frente da unidade desde 2022, ele acumula experiência em operações aéreas, policiamento e coordenação de equipes especializadas. Atualmente, o coronel tem atuado para ampliar os treinamentos internos e fortalecer a integração com outros órgãos e corporações, em um modelo de atuação multimissão que marca o GTA.

Rigor e esforço

Para estar ali, contudo, não basta vontade. O processo seletivo é exclusivamente interno e rigoroso. Operadores aerotáticos precisam ser praças da Polícia Militar (ou seja, sargentos, cabos ou soldados), do Corpo de Bombeiros ou agentes da Polícia Civil da Paraíba (PCPB). Pilotos, por sua vez, devem ser oficiais ou delegados. Depois das etapas de saúde, testes físicos e avaliações preliminares, vem o curso, que dura cerca de 60 dias para os operadores. É ali que se aprende tudo: resgates, salvamentos, ocorrências policiais, transporte aeromédico. Treinamento que não tem pausa.

O coronel cita, sem rodeios, os casos que marcam a trajetória coletiva. Como  quando uma criança em afogamento na Praia do Sol, em João Pessoa, foi resgatada com apoio médico e conseguiu sobreviver sem sequelas. Ou, ainda, as operações conjuntas com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) em acidentes automobilísticos nas estradas federais. “Quando a gente faz o transporte de alguma pessoa, talvez seja o momento mais difícil da vida dela. E a gente está trabalhando para ajudá-la”, comenta Carlos.

Muitas dessas missões chegam ao GTA por meio de um convênio com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Quando o quadro clínico indica que o tempo é um adversário — as chamadas “janelas” de parada cardíaca ou acidente vascular cerebral (AVC) —, o aviso chega por um grupo de WhatsApp. A equipe médica desloca-se até o hangar, embarca e parte. Já são cerca de 500 horas de voo por ano,  um volume muito alto, segundo o coronel.

Sonho de voar move gerações de agentes que ingressam na unidade

Em 2015, o GTA foi incorporado à estrutura da Sesds-PB

Para muitos, o início desse caminho aos céus da Paraíba está no impulso mais simples: o sonho, que o coronel  Carlos Nascimento reconhece nos olhos das crianças que se aproximam dos helicópteros. “Eu fui uma dessas crianças”, conta. “Vi uma apresentação da Esquadrilha da Fumaça. Fiquei olhando, desejando aquilo, mas, como venho de um outro estrato social, morava na periferia, aquilo era inatingível para mim”, complementa o pessoense de 47 anos. Apesar de, àquela época, ter-lhe parecido impossível, hoje o coronel forma oficiais com o mesmo sonho. Um deles é o subtenente Igor Souza, aerotático do GTA.

“A primeira vez que vi a aeronave sendo empregada numa ação foi em 2014”, lembra Igor. Aquele era o ano inaugural do GTA, que só em 2015 foi regulamentado dentro da estrutura da Secretaria de Segurança e Defesa Social da Paraíba (Sesds-PB). O subtenente trabalhava na Força Tática de Cabedelo, quando o helicóptero sobrevoou a viatura onde ele estava e virou de lado, expondo, bem próximo, o operador na porta. “Eu olhei e pensei: é isso que eu quero fazer”. O desejo, no entanto, vinha de mais longe.

Nascido e criado no bairro de Mangabeira, na capital, junto à sua mãe, que trabalhava em serviços gerais no Sesc, Igor encontrou na vida militar um caminho. Serviu no Exército, fez concurso para soldado em 2008, formou-se em 2009, virou sargento e, depois, subtenente. O interesse pela aviação o acompanhava desde o início, quando ele queria servir na Aeronáutica — mas aquele também era, como diz Igor, “um sonho distante”.

Marcas

Depois de insistir para receber o treinamento de ingresso no GTA, o subtenente foi selecionado para uma formação em Alagoas. Mesmo para um militar formado nos quadros do Curso de Operações Especiais (Coesp), a experiência foi trágica. Em uma das instruções, no ano de 2015, houve um acidente com aeronave que resultou na morte de todo o efetivo envolvido: piloto, copiloto e dois operadores.

Em outro momento, um aluno sofreu uma parada cardíaca durante uma lição de salvamento aquático e também morreu. Essas perdas deixaram uma marca profunda em todos que participaram do curso e reforçaram a gravidade e o risco da formação. Depois de vivenciar tudo aquilo, a natureza das operações mudou a forma como o subtenente enxerga o trabalho.

Momentos de reconhecimento e admiração trazem oportunidade

Entre as ocorrências que o marcaram, Igor Souza cita o dia em que uma criança desapareceu no mar, em Lucena. “Tenho essa cena da criança saindo, a gente tirando-a da água, praticamente sem vida”. O subtenente conta que os operadores iniciaram os procedimentos de socorro até a chegada da equipe médica, na expectativa de reverter o quadro, mas a vítima não resistiu.

Ele menciona também o transporte de um companheiro baleado, levado com rapidez ao Hospital de Trauma da capital. “É sempre algo que mexe mais com você, porque você sente na pele. Não tem essa de coração frio”, afirma. As histórias pessoais, porém, não diminuem a lembrança dos que cresceram olhando para cima. Entrar para o GTA, contudo, exige mais do que admiração. 

O transporte aeromédico é outro importante serviço desempenhado pelo grupamento

Assediado por crianças sempre curiosas, o coronel Carlos Nascimento oferece a mesma orientação: estudar e mirar nas carreiras que permitem chegar ao grupamento. “Digo a essas crianças que elas devem manter o foco dos estudos, não desistir de ingressar na Polícia Militar, no Corpo de Bombeiros ou na Polícia Civil, que é isso que possibilita estar no grupamento”, aponta.

No dia a dia, Igor repete esse gesto. Acostumado a ser parado por crianças e adultos “deslumbrados” com o helicóptero pousado, ele aproveita cada abordagem para aproximar e orientar os menores. “Eu utilizo isso para dizer: ‘E aí, como é que você está estudando? Está sendo obediente?’”, relata o subtenente, acrescentando que também busca combater a visão do policial como uma ameaça. Para ele, o aceno das crianças quando os helicópteros sobrevoam a orla é um dos sinais mais visíveis dessa aproximação.

Aos militares que já trilham esse caminho, o desejo de chegar ao grupamento funciona quase como bússola. Entre resgates, treinamentos e o lançamento de mais uma Operação Verão para a alta temporada, forma-se uma mesma imagem que, em algum momento, moveu quem hoje ocupa as portas e os comandos das aeronaves e que continua, de certo modo, abrindo caminhos de quem vê, de quem voa e de quem pode precisar do Grupamento Tático Aéreo da Paraíba.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de novembro de 2025.