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Evento debate riscos de motociclistas

publicado: 23/07/2025 08h43, última modificação: 23/07/2025 09h44
Quase 80% dos atendimentos por acidentes de trânsito, no Hospital de Trauma de JP, envolvem pessoas em motos
2025.07.22 2° Seminário de segurança viária © Leonardo Ariel (8).JPG

Seminário destaca desafios enfrentados por entregadores, mototaxistas e autônomos que convivem com riscos diários nas ruas | Foto: Leonardo Ariel

tags: Acidentes de trânsito, Hospital de Trauma, motociclistas, OAB-PB

por Bárbara Wanderley*

“Não temos respaldo nenhum, vivemos de vaquinha on-line. Essa é a realidade do trabalhador que leva a economia do país nas costas”. O depoimento da presidente da Associação de Motogirls e Entregadoras da Paraíba (Amen-PB), Mírian Araújo, simboliza as dificuldades da categoria, discutidas durante o 2o Seminário de Segurança Viária da Polícia Rodoviária Federal, com o tema “Duas rodas, muitos caminhos: o motociclista entre o trabalho, a vida e o mercado”. O evento foi realizado, ontem, no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) — seccional da Paraíba, no Centro de João Pessoa.

Dados do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena (HEETSHL) apontam que os motociclistas corresponderam a 78,5% dos atendimentos por acidentes de trânsito, no primeiro semestre deste ano. Do primeiro semestre de 2022 ao mesmo período de 2025, houve um aumento de mais de mil casos registrados, passando de 3.779 para 4.792.

Trabalhadores

O superintendente da Plolícia Rodoviária Federal (PRF) na Paraíba, Pedro Ivo, relatou que a maior parte dos acidentes de moto, inclusive aqueles com vítimas fatais, envolve trabalhadores que utilizam a motocicleta no dia a dia.  Segundo ele, são raros os casos envolvendo pessoas que usam a motocicleta apenas em momentos de lazer, como nos fins de semana.

Pedro Ivo contou que a ideia de fazer o seminário com essa temática surgiu a partir de um encontro que teve com representantes da Amen-PB. “Nós, como cidadãos, também temos uma responsabilidade grande nesse processo. A segurança no trânsito é uma responsabilidade de todos, dos órgãos públicos, das empresas, dos trabalhadores que também precisam agir de forma prudente, mas, principalmente, de cada um de nós, os tomadores do serviço. O seminário, portanto, começa com segurança viária, mas, na verdade, ele é um evento sobre direitos humanos, tendo em vista que nosso objetivo é entender e proteger as pessoas”, afirmou.

Levando em consideração esse aspecto, a secretária de Desenvolvimento Humano da Paraíba, Pollyanna Werton, também participou da abertura do evento. “Hoje, na Paraíba, milhares de pessoas dependem da motocicleta como principal ferramenta de sustento. São entregadores, mototaxistas, trabalhadores de aplicativo, profissionais autônomos, que enfrentam jornadas longas, pressão por produtividade e uma rotina marcada por riscos permanentes”, disse ela, complementando que um acidente de trânsito não termina no asfalto. Ele atravessa a vida das famílias, desorganiza os lares, afeta a saúde mental e os vínculos, a estabilidade financeira e emocional. 

Foto: Carlos Rodrigo

“Temos trabalhado com muita seriedade para garantir que essas pessoas não fiquem sozinhas, para que encontrem, na rede de assistência social, acolhimento, escuta, orientação e encaminhamento. Mas também precisamos ir além do cuidado no pós-acidente. Precisamos de políticas de prevenção, de educação no trânsito e valorização do trabalho digno e seguro”, afirma a secretária.

Discussão ampla

A presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) na Paraíba, Herminegilda Leite Machado, avaliou que o objetivo do seminário é provocar o debate. “A gente vai sair daqui com respostas? Não. Aqui desenvolveremos um diálogo com as instituições para que, juntos com a sociedade civil, possamos contruir um mundo melhor, com elementos mínimos de proteção a esses trabalhadores sobre duas rodas que, atualmente, são os que mais sofrem”.

Mulheres entregadoras sofrem ainda mais

A presidente da Associação de Entregadores por Aplicativo da Paraíba (Amen-PB), Mírian Araújo, relatou que as regras impostas pelas plataformas digitais dificultam a garantia de segurança no trabalho. Segundo ela, o tempo para aceitar uma corrida é extremamente curto — cerca de 90 segundos — o que obriga o entregador a decidir rapidamente se o trajeto vale a pena, considerando pontos como o local de coleta e entrega, a quilometragem e o valor oferecido. “Isso em meio ao caos do trânsito, em uma cidade como João Pessoa, que ganhou mais 100 mil novos moradores. Há aplicativos que oferecem apenas 10 segundos para essa decisão”, destacou.

Ela ressaltou que, embora esse fator não seja o único responsável pelos acidentes, é um ponto relevante. Além disso, o não cumprimento dos prazos de coleta e entrega pode resultar em punições, como bloqueios e queda no score do entregador — indicador que impacta diretamente a quantidade de chamadas recebidas.

As condições de trabalho, precarizadas de modo geral, são ainda mais difíceis para as mulheres. De acordo com Mírian, as entregadoras enfrentam a ausência quase total de banheiros públicos durante a jornada, que pode durar de oito a 14 horas por dia. “Passamos por situações humilhantes para conseguir acesso a um banheiro, especialmente no período menstrual”, afirmou.

Outro desafio enfrentado pelas mulheres é o machismo e o desrespeito. Por segurança, muitas têm recorrido a se travestir de homens para evitar situações de assédio ou assaltos. “As mulheres, hoje, para segurança delas, estão se travestindo de homens”, contou.

Mírian também comentou as dificuldades enfrentadas após acidentes de trabalho. Segundo ela, os seguros oferecidos pelos aplicativos são de difícil acesso e com cobertura limitada. “O valor máximo é R$ 60 mil e, para consegui-lo, apenas em casos de acidentes muito graves”, disse. Diante da precariedade do suporte, são os próprios trabalhadores que se mobilizam para ajudar colegas impossibilitados de trabalhar, por meio de vaquinhas e doações.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de julho de 2025.