O pescador mais antigo da Penha, Benedito Evangelista, navegou a trabalho pela primeira vez aos 12 anos. Hoje, aos 80 e aposentado, ele é um dos mais experientes do grupo de aproximadamente 800 pescadores artesanais existentes em João Pessoa. A profissão que trilhou ao longo da vida, porém, não tem mais o destaque de antigamente: as novas gerações já não se interessam em seguir a mesma carreira, enquanto veteranos lutam contra o tempo e doenças típicas da idade.
Agora, Benedito tem como únicos companheiros a cadela Galega, fios de náilon e uma cadeira de balanço na calçada de casa, localizada no mesmo bairro da Penha, onde vive à espera do tratamento de uma hérnia incisional. A linhagem de pescadores da família, revela, será encerrada com ele. Nenhum dos 10 filhos, 15 netos e bisnetos pretende seguir a atividade no mar.
“Hoje eu tô aposentado em cima de dois salários. Minha esposa morreu. Ajudo um filho meu, um neto meu, quando precisam. Vivo aqui dentro, eu e Galega. Eu não tenho o que fazer. Se eu não estiver pela rua, eu vou dormir. Vou assistir à minha televisãozinha. Estou doente, não posso mais fazer o que eu fazia, mas também não passo fome”, diz.
Nos tempos de jornada, Benedito não parava quieto. Sustentava os filhos com o pescado e não havia um lugar para trabalhar na região com que ele não fosse familiarizado. “Pitimbu, Tambaba, Baía da Traição, Baía Formosa, Cabedelo, a praia aqui do Arraial, a praia de Gramame: eu conheço tudo. Carregando barco, indo buscar no barco dos outros, no meu barco. E assim eu vivi, graças a Deus”, relata.
A 14 km do Centro da capital, o bairro da Penha divide--se em Penha de Baixo, Penha de Cima, Vila dos Pescadores e Loteamento Nossa Senhora da Penha. O primeiro grupo de pescadores fixou-se no local por volta de 1763, época da construção da Igreja de Nossa Senhora da Penha.
Benedito nasceu e cresceu na Vila dos Pescadores. Sobrinho e neto de homens do mar, encontrou entre as ondas uma vocação. “Comecei a pescar ainda menino”, conta. “Passei a ser empresário. Fui muito inteligente. Hoje, não. Já estou quase morto”.
Há três anos, ele precisou abandonar a profissão por conta da saúde. Os problemas adquiridos após décadas de navegação e o avanço da idade fincaram as redes do pescador em terra firme. Na semana passada, ele quase morreu, com a bexiga sem soltar urina. “Saí de casa chorando”. Com a mão direita, ele mostra a sonda urinária que precisa usar durante o dia. “Vou ter que tirar essa e botar outra”, afirma.
Tradição
O pescador artesanal atua de forma autônoma ou com mão de obra familiar, em embarcações de pequeno porte, e faz uso de técnicas tradicionais. Nesse tipo de atividade, metade da produção pertence ao dono da embarcação, por ceder o meio de trabalho, o combustível e os aparelhos de trabalho. A outra metade é do pescador.

O conhecimento para buscar o peixe no mar de maneira artesanal não é algo que se aprende na escola. Geralmente é transmitido oralmente pelos veteranos e passa de pai para filho. São pescadores, marisqueiras, vendedores de peixes e artesãos espalhados pelas comunidades tradicionais do estado.
Informações do Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura 2023–2024, realizado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), mostram que essa modalidade corresponde a 50% da produção marinha nacional. Em 2024, a vertente artesanal registrou os maiores volumes de desembarque, responsável por mais de 280 mil toneladas capturadas.
Apesar disso, nas comunidades tradicionais de João Pessoa, o interesse pela prática tem diminuído, conforme aponta o presidente da Colônia de Pescadores Z-3, John Early, conhecido como “Fumacinha”. “No Brasil, a gente tem a perspectiva da profissão crescendo. Mas tem mais pessoas querendo ser pescadores?”, pergunta. “Porque o filho do pescador não quer. Às vezes, segue por outros caminhos, não só da pesca, mas na sociedade também. Aí eu fico pensando: de cinco filhos, escapa um, dois”, lamenta.

- John Early, presidente da Colônia de Pescadores Z-3, relata diminuição da tripulação na capital paraibana
Presidente da Colônia há 29 anos, John soma mais de três décadas de mar. É o mais velho de oito irmãos, quatro homens e quatro mulheres. Ao falar da profissão, ele se emociona. “Pescar é bom. É gratificante. O mar educa”, declara.
Atualmente, no entanto, nem a melhora nas técnicas empregadas no mar consegue animar as perspectivas de continuidade da profissão. Mesmo que haja barcos, explica John, não há tripulação. “A pesca artesanal existe em qualquer país do mundo, como a agricultura familiar. Hoje está melhor, tem GPS, uma série de equipamentos que ajudam. Antigamente, a gente se guiava pelos astros e por terra. A pesca não é uma brincadeira. Antes, o trabalhador era visto como cachaceiro. [As pessoas] esquecem que a atividade faz parte da economia do Brasil”, comenta.
Insuficiências estrutural e comunitária afetam produção local
O pescador Marcos Machado trabalha na peixaria de João Oliveira, na Vila dos Pescadores do bairro da Penha. Acorda cedo, enfrenta a maré e, quando chega à terra firme, descarrega o peixe no estabelecimento. Essa é a rotina dele há mais de 30 anos. “O dia a dia, como diz a história, é no mar, né?”, brinca. “A gente começa desde pequeno, com os pais, pescando na beira da praia”.
Enquanto conversa com a reportagem, Marcos aponta para o corredor, onde repousa a captura do dia recém-descarregada. “O vento está brando. Aí fica tudo melhor. Verão sempre é melhor para o nosso tipo de pesca. E, quando a lua está cheia, a gente não vai. Fica muito claro. Então, o peixe, como a gente chama, não boia. Quando é inverno, a gente só pega o de comer. Mas, no verão, a gente ganha um trocadozinho. Como agora. Essa foi a segunda pescaria da gente”, explica.
Como Benedito e John, nenhum dos filhos de Marcos optou pela carreira no mar. Ao lado de João e dos moradores da comunidade, ele continua uma tradição que tenta, com esforço, resistir na capital. A esse enfraquecimento da cultura pesqueira, revelam os pescadores, acrescentam-se os riscos entre as ondas e a falta de conhecimento integrado na população que sobrevive da prática.
Infraestrutura
Para João Oliveira, o principal desafio de sua atividade é a insuficiência da infraestrutura local. Pescadores artesanais estão vulneráveis a doenças ocupacionais pela exposição excessiva à luz solar e ao contato com substâncias tóxicas, água e resíduos contaminados.
“A dificuldade do pescador, quando chega em terra, é por causa da água do peixe. Para lavar, tem que jogar essa água dentro da fossa. A rede de esgoto já está instalada. Falta uma piscina e um bombeamento para tirar o esgoto, que é o que acontece hoje com toda água daqui”, revela.
Esse, porém, não é o único problema. A pesca artesanal enfrenta o desinteresse e a pulverização dos laços comunitários. “Hoje, aqui, falta muita coisa. Primeiramente, a união dos moradores. A união dos pescadores também não tem. É um por si e não para os outros”, destaca o dono da peixaria. “Quando você é dividido, você não consegue nenhum objetivo. Aqui já era para ser uma estrutura muito bonita, muito organizada. A gente trabalha com a maior limpeza do mundo, com o maior carinho, porque o pessoal de fora e o pessoal daqui tem que ter um produto bom, de qualidade, tem que ter higiene com as pessoas. E com o próprio ambiente em que você trabalha”, finaliza.
Ainda assim, os pescadores continuam. Nos fundos da peixaria, mais trabalhadores chegam da areia da praia, enquanto João e Marcos seguem para casa. Vão tomar banho, trocar de roupa e voltar para tratar o peixe, dando seguimento a uma rotina que atravessou os séculos e ainda resiste em parte dos moradores da Penha.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de Outubro de 2025.
