Um total de 112 pessoas encontradas em condições degradantes de trabalho, na Região Metropolitana de João Pessoa, foi resgatado por uma operação integrada que reuniu representantes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Defensoria Pública da União (DPU). Com o resultado da empreitada, ocorrida do último dia 14 até ontem, a Paraíba já registrou, em 2025, o resgate de 225 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão — o que equivale a um crescimento de 324% em comparação aos 53 contabilizados em todo o ano passado, segundo dados divulgados pelo MPT.
A iniciativa mais recente teve, como foco, empreendimentos da construção civil em João Pessoa e Cabedelo. Dos 225 resgatados neste ano, a propósito, 213 encontravam-se em atividades desse setor, em um dos dois municípios.
De acordo com o MPT, os 112 operários trabalhavam em obras de oito empresas e vieram de pelo menos 20 cidades do interior paraibano, além dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Laura Valença, procuradora do Trabalho que participou da operação, detalhou as condições em que eles atuavam e viviam. “Eram situações em que não havia fornecimento de comida suficiente. Muitas vezes, esses trabalhadores recebiam um ovo de café da manhã por dia, não tinham direito a jantar, nem direito à proteína. Então, tinham que trabalhar em atividades muito pesadas de construção civil, sem tanta comida”, relatou.
Os espaços de alojamento também eram precários e muitos trabalhadores dormiam no chão, além de viverem em circunstâncias sanitárias insalubres, conforme a representante do MPT. “[Havia] alojamentos sem ventilação, com muito calor. Cada trabalhador comprava seu próprio ventilador, a empresa não forneceu. E boa parte desses alojamentos estava dentro da obra. Alguns trabalhadores que encontramos não tinham nem banheiro dentro do local”, acrescentou a defensora pública federal Izabela Luz, outra participante da série de fiscalizações.
“Diversas irregularidades foram encontradas, grave e iminente risco nas obras, com muito perigo à vida e às suas condições de saúde. Situações bastante graves, que aviltavam a dignidade da pessoa humana”, descreveu a procuradora. “Muitas vezes, as pessoas têm essa ideia de que a escravidão contemporânea confunde-se apenas com a situação de cerceamento de liberdade, seja por retenção de documento, seja por servidão por dívida. Mas o que a gente encontrou nessa operação diz respeito a uma outra situação, que também é análoga à escravidão, e é exatamente essa condição degradante de trabalho que avilta a dignidade do trabalhador”, ressaltou Laura.
Providências
Como explicou a procuradora do Trabalho, cada órgão que integrou a operação encerrada ontem tem tomado as providências cabíveis em seus respectivos âmbitos de atribuição. “O Ministério do Trabalho e Emprego vai lavrar autos de infração, aplicar multas administrativas a esses empregadores, além de providenciar as rescisões e pagamentos das verbas rescisórias dos trabalhadores resgatados, com o acompanhamento da DPU. O MPF vai se encarregar da parte criminal, para responsabilizar os empregadores encontrados nessa situação”, antecipou, complementando que representantes de cinco das oito empresas notificadas foram ouvidos pelo MPT e firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), comprometendo-se a corrigir as irregularidades e a pagar indenizações por danos morais coletivos e individuais.
“Os procedimentos relativos às três empresas que não aceitaram firmar TAC serão encaminhados para a adoção das medidas judiciais cabíveis”, disse Laura, mencionando que o caminho, nesses casos, deve ser o ajuizamento de ações civis públicas perante a Justiça do Trabalho.
Ainda de acordo com a procuradora, os 112 operários ainda deverão receber, além das verbas rescisórias, um seguro especial pelo período de três meses.
Baixa escolaridade e busca por uma vida melhor marcam grupo
A partir da avaliação do perfil das pessoas resgatadas pela operação, o MPT aponta a baixa escolaridade como o principal traço que define o grupo, formado por pedreiros, ajudantes de pedreiro, gesseiros, carpinteiros, betoneiros, ferreiros e pintores. Outra característica que chamou a atenção das autoridades de fiscalização foi a faixa etária diversa desses trabalhadores — entre os quais estão paraibanos dos municípios de Areia, Caldas Brandão, Campina Grande, Guarabira, Ingá, Juarez Távora, Mari, Pilões e Sousa. A esperança de conquistar melhores condições de vida na Grande João Pessoa é mais um fator comum identificado pelos órgãos públicos.
“Chegamos a ver um trabalhador com apenas 18 anos, mas também já tinham outros com mais de 50”, revelou Gislene Stacholski, auditora fiscal do Trabalho que também integrou as ações encerradas ontem. Vindo do interior do estado, o jovem de 18 anos mencionado pela auditora, cujo nome real foi preservado pelas autoridades, estava trabalhando como ajudante de pedreiro havia apenas duas semanas e confessou que não esperava ter de lidar com condições tão difíceis em João Pessoa. “Era bem cheio lá dentro”, afirmou, referindo-se ao ambiente que dividia com os colegas.
Outro auxiliar resgatado, de 25 anos, comentou que a rotina exaustiva a que vinha sendo submetido, nos últimos cinco meses, causou-lhe um problema agudo de saúde. “Vou passar por uma cirurgia na próxima sexta-feira. Vou me operar de uma hérnia por conta do peso. Trabalhava pegando ferro”, explicou.
Já um pedreiro de 63 anos de idade declarou ter ido à escola somente até a 2ª série do Ensino Fundamental. “Não tinha tempo de estudar. Tive de ‘cair’ em obra, no meio do mundo. É muito fácil o povo me enganar, porque não tenho estudo, só sei mesmo escrever meu nome. Mas meus filhos e netos todos estudam, para ver se melhoram de vida”, contou. “Comecei a trabalhar no roçado com oito anos”, lembrou um carpinteiro de 59 anos.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de julho de 2025.